April in Paris
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Como pude não perceber a mudança? Quando é que aquela bolinha desprezível se tornou verde? de uma cor tão viva como jamais vi, o corpúsculo enrugado que resultará em uma meia-dúzia de folhas. Uma infinidade em cada galho, em cada árvore, em cada rua. Pontilhando o dia-a-dia, os caminhos, as esquinas.
Eu, toupeira humana, olho em volta, embasbacado. Uma surpresa a cada movimento. A cor está em todo canto. Abaixo dos galhos pontilhados em verde, os canteiros. Longas carreiras que pareciam, até então, tristes sepulturas de terra pálida. Agora, tão súbita, uma explosão asfixiante de pétalas e caules. Flores novas, folhas virgens, pinceladas de vida em vermelho, amarelo, branco, azul. Um coral que recitará, até princípios de novembro, sua ode anual à natureza. E então, obedecendo à sua finitude implacável, secará, tombará, morrerá, para mais um período de frio e trevas.
Como na canção, jamais conheci o charme da primavera. No Brasil, marcava o início o horário de verão, nada mais. O verde brasileiro é tão verde nessa época quanto em qualquer outra. Flores, sempre há. De tão evidente, a beleza brasileira intimida, às vezes. Aqui, a beleza brota como uma resposta à opressão do inverno, uma vitória daqueles que sobreviveram, uma ressurreição mitológica revivida a cada ano. A mística que cerca o equinócio é profunda, ancestral, dionisíaca. O movimento é patente. Mesmo nas metrópoles pós-industriais e cibernéticas, mesmo numa cidade que praticamente aboliu a neve, como Paris, ainda se vive submetido às circunvoluções da natureza. O europeu, que coisa irônica, é mais ligado à terra do que nós.
A beleza brasileira é tanta que se sufoca. E nos sufoca. Talvez seja por isso que temos tanta necessidade de abafá-la, construir sobre seus despojos nossas cidades deploráveis. A natureza brasileira é de uma exuberância extasiante, mas constante e inabalável, senão pela força dos machados e a reverência do concreto. Nossa beleza, às vezes, nos enche de vergonha, nos lembra nossa condição de pátria crua. Precisamos substituí-la por uma máscara de siso re
Nos auges de sua estupidez atávica, fizeram coisa muito parecida, os europeus. Mas quando entregaram suas cidades à insensatez destrutiva, seus espíritos não resistiram. Atiraram-se uns sobre os pescoços dos outros. Esses povos, para quem a beleza é um milagre, que lhe sorvem cada gota como a última esperança de alegria, não podem suportar a idéia de perdê-la em definitivo. Caso contrário, entregam-se à carnificina.
Que o fim do inverno tenha tanto impacto sobre mim, compreende-se. Cachecol e sobretudo são, para mim, meio passo rumo à cova. Mas os americanos que compuseram
O quê?
Sou forçado a concordar com os versos vagos de Yip Harburg. O abril parisiense é uma força que se exerce sobre o espírito sensível. Van Gogh se exasperava por não conseguir expressar, pintando, o que sentia. E deveria ser estratosférico; expressão não falta a suas telas. Tento captar algo com minha câmera furreca, mas sei que nem mesmo a mais perfeita das Leicas poderia me satisfazer. Saio a caminhar. Entro nos parques, nas praças. Ladeio o Sena, observo os casais, os mendigos, os violões, as bicicletas. Ainda assim, não consegui extrair disso nem sequer uma postagem que reproduza a misteriosa vibração que se esconde nos troncos, nas nuvens, em toda parte. Nem um mísero poema, uma fotografia, nada. O que me resta é seguir, mãos nos bolsos, assoviando a música que, há sete décadas, alguém compôs para manifestar algo muito parecido com o que vivo. Assoberbado, mas conformado, invoco Billie Holiday, invoco Ella Fitzgerald, e mergulho nos brotinhos verdes.
April in Paris
Yip Harburg e Vernon Duke
.
I never knew the charm of spring
I never met if face to face
I never knew my heart could sing
I never missed a warm embrace
.
Till April in Paris,
chestnuts in blossom
Holiday tables under the trees
April in Paris, this is a feeling
That no one can ever reprise
.
I never knew the charm of spring
I never met it face to face
I never new my heart could sing
I never missed a warm embrace
.
Till April in Paris
Whom can I run to?
What have you done to my heart?
Marcadores: abril, batignolles, flores, folhas, paris, parque, praça, primavera
16 Comments:
Olá Paulo,
Quem duvida que e Primavera seja a mais bela das estações...
oi paulo, não conhecia seu blog ainda, cheguei aqui a partir do comment que deixaste no meu. foi uma grata surpresa, tens um jeito bastante peculiar e muitas vezes bem parecido com o meu de enxergar o mundo, de ver magia em coisas comuns, de perceber o encanto todo que a primavera, ou até mesmo outras coisas ainda mais simples como admirar casais, mendigos, violões ou bicicletas na rua podem ter.
passarei por aqui mais vezes, podes ter certeza.
ps: curiosa que sou....... como chegaste ao meu blog?
A primavera é mesmo um milagre. É impressionante ver as flores depois de um inverno rigoroso. As fotos estão lindas.
Obrigado pelo comentário simpático deixado no Literatura & Rio de Janeiro. Quando abrir o centro cultural me avise - aliás avise antes, quando comprar o casarão, quero ir lá ver!
Sensibilidade em estações, belo!
Flores sempre são indispensáveis.
Paulo, obrigada pelas palavras gentis lá na minha janela, volta sempre.
Gostou do www.baratos-afins.blogspot ? Participo um pouco também. Apareça por lá.
Bjos
endereço correto:
www.baratos-afins.blogspot.com
Olá Paulo!
Obrigada pela visita ao DD, volte sempre que quiser, será sempre bem vindo!
Lindas as imagens e a sua descrição da primavera em Paris. Deu uma vontade...
bj,
Paris na primavera é realmente maravilhosa e, acima de tudo, indescritível. Época de longas caminhadas pelas ruas, pracinhas e parques da cidade. Época de sentar em um dos inúmeros cafés parisienses e degustar um cappucino (ou cerveja) enquanto se observa a vida passar (e as pessoas). Uma das cidades mais lindas da Europa, sempre.
Olá Inverso,
A primavera em Paris deve ser muito bonita, um dia ainda vou ver isso de perto.
Obrigado pela visita lá no nosso Boteco, volta sempre.
Quem nunca teve um dia de cão? Mas é como você disse, pelo menos eu não tomei chuva, já tive dias melhores.
Abraço,
Puxa eu nunca sonhei em visitar Paris.Mas depois deste texto, mudei de idéia.
Paulo,antes de tudo,obrigada pela visita em meu blog.De onde será que vc veio,hein?Rs,rs,rs.Seja bem-vindo!!
Vim aqui e me deparo com a sua visão do "abril parisiense".Sabe,sinceramente,tb to encantada com as suas fotos e elas me trouxeram para minha visão do começo da primavera aqui nos EUA.Nunca tinha presenciado antes o florescer das lindas flores,as folhas surgindo aos poucos nas árvores...é como se a vida estivesse começando outra vez mesmo.Amei!!!
Apareça mais vezes!!!
Paulo, que lindo!
Vc pegou esta beleza estonteante que está vendo, misturou com a sua e olha só! A sua infância arteira valeu muito pelo jeito.
Se alimente desta força de renascimento!
E me conta. muitas saudades?
quisera eu ser uma toupeira humana brasileira em paris. realmente, depois do inverno ver esta primavera é um presente dos céus...
Paulo obrigada pela visita em meu blog. Nao conheço Paris, terei o prazer de conhece-la em agosto.
April in Paris é uma das minhas músicas favoritas, e devo dizer que qualquer post que comece citanto Billie Holiday já disse bem a que veio!
Que a alegria da Páscoa invada o seu coração e o daqueles a quem ama, irradiando luz para iluminar e fazer brilhar o mundo em que vivemos, enchendo-o de AMOR, SAÚDE, PAZ!!!
Feliz Páscoa!!!
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