5.6.06

Seção Dedo de Prosa: Cinco Reais

Sobre aqueles dias em que não sabemos como combater o amargo da boca e a respiração curta. Sobre o sentido de panacéia que damos ao dinheiro quando queremos desaparecer no tom cinzento de um mundo hostil. Sobre isso, e tantas outras coisas.

Cinco reais

Por cinco reais me alimentei terrivelmente mal. Pedi o que de mais caro havia e me sentei sozinho. Tentei transmitir todas as minhas tristezas para o dinheiro, mas elas grudaram em mim como as unhas de um gato preto esfomeado. Falhou a minha incursão na bruxaria. Hoje vejo que se tivesse comprado alguma coisa, alguma coisa concreta, ficaria sem o dinheiro, mas algum patrimônio a mais. Estupidez? Consumismo? Mas o tal objeto seria companhia e ícone para aquele momento de tristeza que jamais esquecerei. Mas o que acompanhou a acidez do sentimento na realidade não foi nada mais do que a acidez do meu estômago com fome. Nunca fui tão infeliz... ler relatórios com olhos mareados é uma tarefa difícil. Argumentar, com o coração retorcido, é impossível. A fome como punição é uma tolice, mas é melhor do que o suicídio. Não é? A fome é perfeitamente apropriada para uma alma sem firmeza. Mas é mesmo assim uma tolice enorme. Nunca fui tão infeliz... caminhar com as pernas bambas, cuspir horários, prazos, cronogramas... A fome não é uma punição valorosa, e nem pune. Nem conforta. Nem reforça. Chorar? Não basta. O dinheiro banhado nesse pranto? Não lava. Mais tarde fui descobrir que o fogo não purifica, nem o ferro extirpa, ainda que decepe todos os membros e fure todos os olhos do mundo. Nem a arte, do alto de suas nuvens do sublime, eleva a alma de um homem prosternado, estatelado, arruinado. Enquanto na garganta os espíritos cruciam, alhures o capital circula e as chuvas alagam. A verdade? Um corpo inerte, um homem pálido e frio, é matéria de poetas e garis. Minha fome é o vazio do meu estômago, não é poema nem guerra. Por cinco reais, posso comer bem ou mal, posso comprar uma lembrancinha, posso garantir a semana de um mendigo. Posso morrer de graça. Sofrer de graça, tombar na calçada e dormir ao relento. Mas não há dinheiro que justifique ou salve ou reverta a vida de ninguém.

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Nossa, que triste! Triste demais...

23:38  
Anonymous Anônimo said...

Que lindo! A tristeza tem um quê de nobre e belo. E tudo o que é melancólico me atrai... Amei!

05:53  
Blogger Cláudio Pedrosa said...

Texto muito massa!... fiquei pensando em mim, algumas vezes no aeroporto ou rodoviária de uma cidade estranha, com pouco dinheiro, muita fome e rodeado de caras quiosques, tendo que escolher entre o café ou o brioche... e folheando algum relatório, página por página ou em gesto aleatório.

14:26  

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