27.7.06

A máquina isolante

De repente, descubro que a melhor compra que já fiz na vida foi um telefone celular. Durante anos, fui motivo de chacota dos amigos por manter o mesmo aparelho desde 1998; o “tijolão” mal tinha bateria para uma conversa inteira, nem sonhava com toques variados (ringtones, não é isso?) e muito menos acesso à internet. Jamais senti falta de qualquer coisa dessas. Nunca fui um ser telefônico, atendo as ligações já querendo desligar e para chamar alguém é um suplício. Só em caso de última necessidade.

Mas - um belo dia - eis que a operadora decidiu que meu celular não existiria mais. O sistema mudou, ficou ultrapassado, adeus meu velho número. Fui intimado pela namorada a arrumar outro imediatamente, que essa história de ficar incomunicável não pode ser. E saí correndo atrás de um aparelho novo.

Na loja, várias opções. Câmera, rádio, internet, viva-voz, MP3, toques polifônicos... Escolhi um que parecia simpático. A mesma marca do anterior, porque durável e resistente. Escolhi pela discrição, tanto visual quanto sonora: os toques não são tão estrambóticos quanto esses que vemos por aí. Com uma câmera fotográfica que dá pro gasto, contanto que seu nível de exigência para fotografias seja bem baixo. Um gravador de voz que grava mais ou menos um minuto (não sei pra quê) e um rádio FM.

E foi esse último item que fez do celular a melhor compra da minha vida. Poucos dias depois da transação, desci do meu trabalho para andar pela av. Paulista até a Consolação, como faço duas vezes por semana. Lembrei-me das atribuições do meu telefone e resolvi testá-las: coloquei os fones no ouvido e disparei o volume para o máximo.

Que maravilha! Que diferença! Meu corpo estava ali, no meio daquele gigantesco mercado persa, aquele camelódromo esnobe disfarçado de centro financeiro. Mas minha mente, não. Era como se nada daquilo existisse. Como se fosse um produto da minha imaginação. Que delícia!

Percebi que não tinha comprado um celular. Eu tinha comprado nada mais, nada menos, que uma máquina isolante; como se fosse uma capa mágica que me retirasse do mundo. Os abutres que ladeiam as parcas calçadas da avenida passaram a me ignorar, ó bênção!, e os poucos que ainda se arriscavam a vir eram apenas sombras, imagens de uma fita muda vinda de um outro mundo!

Fiquei livre das ofertas de crédito, teatro amador, salvação da alma, sutiãs invisíveis (?!) e renda de sei lá quantos mil reais trabalhando em casa. Não preciso mais gastar saliva com nãos e nãos-obrigados, muito menos com sai-de-cimas e outras reações iradas. Para esse universo, eu não existo, sou um panóptico etéreo e muito satisfeito.

Deus abençoe o inventor do walkman!


2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

A Paulista não é um mercado persa. É chique. É bela. É elegante. É rica. É um símbolo da maravilha que é este país! Eu adoro a Paulista! Eu amo aquela bagunça! Viva os espigões lindos de arquitetos geniais! Viva as flotres no canteiro central! Viva os hare krishnas! Viva tudo e qualquer coisa!

22:41  
Anonymous Anônimo said...

Sua vida virou um video-clip!
Parabéns!

16:19  

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