3.8.06

El comandante ya se murió

O assunto da moda é o Fidel Castro, mais uma vez. Morreu, está morrendo ou não vai morrer nunca? Jamais uma figura foi tão capaz de tornar verdadeira a distinção entre esquerda e direita, que, como todo mundo insiste em lembrar, é ficcional. Muitas pessoas que nunca tiveram nada a ver com Cuba, e que por sinal talvez não saibam apontar no mapa onde essa tal ilha fica (se é que sabem que é uma ilha) se referem a ele como “aquele ditador maldito”. São de direita. Outros, com mais ou menos o mesmo nível de referência sobre o país do homem, se referem a ele como “o grande revolucionário”. São de esquerda.

Raros são aqueles que têm uma opinião intermediária, ou se abstêm de dar opinião sobre el viejo comandante. A isso se dá o nome de “carisma”. Ninguém sobre esta terra tem tanto carisma quanto ele, e isso é inegável. Nem artistas, nem estrelas, nem políticos, nem tampouco qualquer herói com alguma doença incurável. Nem o Pelé, que talvez seja mais famoso e mais admirado. Todo mundo tem alguma opinião sobre o Fidel, mesmo os personagens do Guimarães Rosa, se bobear.

Então resta a pergunta: quem tem razão? Os “de direita” ou os “de esquerda”, que em relação a qualquer outro assunto jamais teriam essa classificação? Os que odeiam a figura do barbudo ou os que adoram ouvir seus discursos de sete horas? Difícil dizer. É certo que nos últimos anos ele pendeu mais para “ditador maldito” que para “grande revolucionário”.

O regime cubano prende, mata, censura, tudo isso. Mas, cá entre nós, não é nada que se compare a um Stalin, um Mao Tsé Tung, um Pol Pot, grandes ditadores da esquerda. Falta aquele caráter de banalidade aos excessos cubanos; seus crimes são de fato políticos, são parte do sistema, o que é obviamente condenável. Mas quem já estudou um pouco de história política sabe que são intrínsecos à maior parte dos processos políticos e não se pode dizer que esteja excluído de qualquer democracia contemporânea, veja-se o exemplo dos Estados Unidos, suas estripulias na ONU e o sufocamento da oposição interna (mas os EUA são assunto para outro dia).

Por outro lado, a Revolução Cubana levada a cabo por Fidel, Cienfuegos e Guevara, entre tantos outros, é, sim, algo a ser profundamente louvado e jamais esquecido. A derrubada de Fulgencio Batista, com todo o apoio do governo americano (e da máfia), é um ato heróico incomparável na história mais ou menos recente, assim como o episódio da Baía dos Porcos (qualquer dessas referências pode ser facilmente encontrada na internet, sobretudo na Wikipédia). Uma revolução que só se tornou comunista após a recusa norte-americana em reconhecê-la. Os EUA, ao priorizar os interesses da máfia, jogaram seu vizinho do sul nos braços da União Soviética e criaram para si mesmos um enorme problema que persiste até hoje.

Então ambos os lados têm razão? Como em quase todos os debates intermináveis, sim e não. O “ditador terrível” nunca foi tão terrível. Sua ilha, outrora uma colônia de exploração dos EUA, se tornou um apêndice da URSS, mas um apêndice sem analfabetismo, com os melhores médicos do mundo e também uma das melhores escolas de cinema. Após a queda do Muro de Berlim, Cuba ficou em maus lençóis, tombou novamente na miséria (em grande parte graças ao bloqueio comercial americano) e teve que abrir as portas para o turismo, os dólares e a prostituição. Mas ainda com os melhores médicos do mundo e analfabetismo nulo.

Cuba, hoje, é um país de repressão, balseros, carros dos anos 50, culto à personalidade. É um caso sui generis. Mas a ilha pode ser tudo, qualquer coisa, menos uma república socialista. É por isso que o ditador não tão terrível é um revolucionário não tão grande. Fidel Castro, ao fazer de Cuba o seu enorme Simcity (ou seria Civilization? Um daqueles joguinhos...), eliminou o mínimo gérmen de comunismo que a revolução tivera.

O socialismo, no cerne, é em teoria um regime político em que não há alienação, isto é, em que quem produz não está alijado de seus meios de produção. Isso significa que o processo econômico e o político são conduzidos pelas mesmas pessoas, quais sejam: os trabalhadores, por extensão a população. Cuba não é socialista. Cuba é o quintal em que Fidel Castro faz suas experiências e, principalmente, seus discursos.

Há décadas Fidel Castro deixou de ser um revolucionário. O Fidel Castro que durante todo esse tempo ocupou o “trono” cubano é um grande funcionário público que não quer largar o osso, como tantos que temos cá no Brasil. A revolução acabou, morreu, pouco depois da Baía dos Porcos. Cuba é um país interessantíssimo, mas como experiência política é só mais um exemplo do fracasso das utopias. El comandante ya se murió. E morreu faz tempo. O que restou foi uma carcaça verborrágica e algo ridícula, mas muito carismática.

12 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Oi Paulo!
Gostei muito do seu post aterior, com um poema! Obrigada pela visita, voltarei mais vezes! Um beijo!

18:43  
Anonymous Anônimo said...

Mr Paulo Osrevni... Interessante, este blog teu...
Vi que apareceste em meu blog, o EscúchamePorra... Vim prestigiar o teu!
Interessantíssimo! E, como já deixaram aqui, o poema "O dia me diz" é muito bonito! Curti!

Passarei mais vzs por aqui!

1[]!

20:58  
Anonymous Anônimo said...

Elucidadtiva a explicação sobre Cuba, Fidel... É um ponto de vista bem interessante...
Abraços.

16:04  
Anonymous Anônimo said...

Caro Paulo: o acaso conduziu-me ao teu "cantinho". Identifico-me muito com a tua análise. Sou dos que olham e reconhecem o carisma do comandante, e ainda encontram laivos de sonho. Claro que também critico. Mas sem amargura, sem ressentimento. No fundo, e naquele contexto, não sei se sou pro Fidel,ou forçosamente contra Tio Sam.

10:50  
Blogger Bela said...

Eu sou contra experimentações desse tipo com humanos. Mas, anfam, só quem pode dizer é que vive lá, não é mesmo?
E lá se vê adoradores e rebeldes, loucos pra fugir e doidos por ficar, o problema pra mim é a ditadura.
Concordo muito com a sua análise, mas sou um tiquinho mais radical.
Beijo

20:40  
Blogger Joaquim Amândio Santos said...

patético, simplesmente patético o extertor da ditadura sob a forma de um ícone de pés de barro e ideologia assente em castelos de cartas...

13:59  
Anonymous Anônimo said...

salut je suis photographe en france
mon site http://ch.padioleau.free.fr/
j'ai des amis qui sont en amériques du sud
laroutedesmers.com
ils sont aussi journaliste
a bientot

18:23  
Anonymous Anônimo said...

Em outras palavras, um excelente exemplo de Relações Públicas bem feita. Parecido com uma idéia que tenho, só usei outro exemplo um pouco mais dramático (dramas combinam mais com minha personalidade)

19:40  
Blogger anouska said...

...mas eu ainda quero visitar cuba um dia desses...

15:47  
Anonymous Anônimo said...

Caro Paulo,

Entre um link e outro apareceu teu blog aqui, e realmente nao pude deixar de passar aqui pra te elogiar.

Excelente texto de opinião neutra(mas ainda assim expondo-as) sobre Fidel.

Continua assim!

Abracos

23:15  
Blogger Lelec said...

Humm... Os "melhores médicos do mundo"? Meio exagerado, né?

Não teria tanta certeza assim.

Lembro-me de um seminário de oftalmologia, nos meus tempos de estudante da UFMG. Uns médicos cubanos foram apresentar uma nova técnica que haviam desenvolvido e que, como sempre, ganhara repercussão sensacionalista da mídia brasileira. Para ser breve: o tais pesquisadores cubanos ficaram em maus lençóis, porque não conseguiam comprovar nada do que alardeavam, era um trabalho cheio de erros metodológicos.

Por essas e outras, quando eu tiver uma doença esquisita, sem tratamento convencional, não me levem para Cuba. Prefiro ir à terra do tio Sam.

20:53  
Blogger Lelec said...

Ôpa, ficou faltando um plural em uma frase acima: "Para ser breve: oS tais pesquisadores..."

Désolé.

Já que estou aqui, lembro-me de um colega que fez uns anos de medicina em Cuba. Os relatos dele são impressionantes: os "melhores médicos do mundo" estão trabalhando como recepcionistas e carregadores de malas em hotéis, onde recebem gorgetas em dólares, bem maiores que seus salários.

E, para conseguir uma consulta rápida no infalível sistema público de saúde cubano, com os "melhores médicos do mundo", há que ter contatos com o partidão, caso contrário, a fila de espera é grande.

11:51  

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