O cachimbo do professor

Como em todo final de tarde, a chave não girava e a porta não abria. Somavam-se, há meses, o defeito na fechadura e a preguiça de tomar uma atitude. Tinha medo de quebrar a chave lá dentro, o que seria o único jeito de fazê-lo telefonar para o chaveiro. Empurrou, forçou, deu murros na madeira. Tudo à toa.
Parou para recuperar o fôlego. À sua respiração barulhenta, juntou-se o som perturbador de uma outra, mais grave e acintosa. Alguém subia as escadas, ofegando através de brônquios tomados pelo catarro.
Como já imaginava, era o professor que vinha, em seu paletó violeta de todos os dias, apoiando-se no corrimão e suando por debaixo da cabeleira. Viram-se e caíram numa rápida risada. O professor ergueu a mão em que segurava seu cachimbo aceso.
- Professor! Bom dia!
Como resposta, apenas um acesso de tosse.
- E esse tumor, vem ou não vem?
Chegado ao andar, o professor fez uma pausa. Não agüentava subir de uma só vez.
- Está difícil. Até agora, nada. Segundo as radiografias, tudo funcionando.
Recomeçou a dança de acasalamento entre a chave e a fechadura; mas o espírito da primavera parecia não ter baixado no metal.
- Fico feliz em saber, professor.
- Acho que o cachimbo não está adiantando. Eu deveria tentar cigarros. Mas, o que é uma pena, eu simplesmente não consigo tragar.
E voltou a subir as escadas, na mesma marcha difícil. Cada vez que expirava, de seus pulmões vinha um assovio de chaleira.
A porta levou quase quinze minutos para querer abrir.
6 Comments:
Há portas que levam muito mais a abrir. Gostei muito do blog.
Voltarei.
Boa noite!
Armadilhas que criamos para nós mesmos! Gostei. Fiquei com falta de ar pelo professor...Abraços,
rapaz, você é o cara. vê bem: quando eu for fazer minha lista de livros do curso de literatura francesa, não me vá faltar com as suas indicações, hem? serão valiosíssimas.
abs.
Cara, gostei muito do seu continho. E veja bem: o "inho" é apenas pelo tamanho do texto mesmo, porque em termos de competência, é um contÃO. Sério mesmo, achei muito bem escrito. Abração.
Diego,
Gostei de "O cachimbo do professor"; um conto bem elaborado, com os requisitos essenciais desse gênero da literatura.
Um abraço.
Pedro.
Diego,
Li e gostei muito. Preciso e intensamente humano, um retrato muito bem feito.
O conto não é curto não; diz tudo que tem de dizer.
Abraços grandes,
hILTON
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