30.8.07

O cachimbo do professor


Como em todo final de tarde, a chave não girava e a porta não abria. Somavam-se, há meses, o defeito na fechadura e a preguiça de tomar uma atitude. Tinha medo de quebrar a chave lá dentro, o que seria o único jeito de fazê-lo telefonar para o chaveiro. Empurrou, forçou, deu murros na madeira. Tudo à toa.

Parou para recuperar o fôlego. À sua respiração barulhenta, juntou-se o som perturbador de uma outra, mais grave e acintosa. Alguém subia as escadas, ofegando através de brônquios tomados pelo catarro.

Como já imaginava, era o professor que vinha, em seu paletó violeta de todos os dias, apoiando-se no corrimão e suando por debaixo da cabeleira. Viram-se e caíram numa rápida risada. O professor ergueu a mão em que segurava seu cachimbo aceso.

- Professor! Bom dia!

Como resposta, apenas um acesso de tosse.

- E esse tumor, vem ou não vem?

Chegado ao andar, o professor fez uma pausa. Não agüentava subir de uma só vez.

- Está difícil. Até agora, nada. Segundo as radiografias, tudo funcionando.

Recomeçou a dança de acasalamento entre a chave e a fechadura; mas o espírito da primavera parecia não ter baixado no metal.

- Fico feliz em saber, professor.

- Acho que o cachimbo não está adiantando. Eu deveria tentar cigarros. Mas, o que é uma pena, eu simplesmente não consigo tragar.

E voltou a subir as escadas, na mesma marcha difícil. Cada vez que expirava, de seus pulmões vinha um assovio de chaleira.

A porta levou quase quinze minutos para querer abrir.

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6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Há portas que levam muito mais a abrir. Gostei muito do blog.
Voltarei.
Boa noite!

23:25  
Anonymous Anônimo said...

Armadilhas que criamos para nós mesmos! Gostei. Fiquei com falta de ar pelo professor...Abraços,

15:41  
Anonymous Anônimo said...

rapaz, você é o cara. vê bem: quando eu for fazer minha lista de livros do curso de literatura francesa, não me vá faltar com as suas indicações, hem? serão valiosíssimas.

abs.

19:19  
Anonymous Anônimo said...

Cara, gostei muito do seu continho. E veja bem: o "inho" é apenas pelo tamanho do texto mesmo, porque em termos de competência, é um contÃO. Sério mesmo, achei muito bem escrito. Abração.

02:08  
Blogger Pedro Luso de Carvalho said...

Diego,

Gostei de "O cachimbo do professor"; um conto bem elaborado, com os requisitos essenciais desse gênero da literatura.

Um abraço.
Pedro.

02:03  
Anonymous Anônimo said...

Diego,

Li e gostei muito. Preciso e intensamente humano, um retrato muito bem feito.
O conto não é curto não; diz tudo que tem de dizer.

Abraços grandes,

hILTON

00:40  

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