4.6.07

Apresentando um novo blog



Parodiando um autor bastante conhecido...

Extraído do livro de orações de Muhammad Ibn Al Osrevni, poeta árabe do século IX, encontrado em recentes escavações nas proximidades de Tiro:

"Obstinado em busca da perfeita sabedoria, o silencioso viajante encontrou prazer em passar noites ao relento e dias sem água, conduzindo seus pés descalços através do ouro escaldante das areias do deserto. Finalmente, como por um encantamento, sem um sinal de aproximação, a jornada chegou ao fim. Pela primeira vez, o viajante rompeu seu silêncio. Exultou em louvações ao profeta quando se viu diante da montanha azulada, aquela com que sonhara reiteradamente, exatamente como a tinha em sua memória.

"Mais alto do que o alcance de sua vista, o maciço terrificante de pedra e neve furava a linha das nuvens, rasgando os céus para afirmar sua grandeza com a mais perfeita eloqüência. O viajante tinha à frente uma escalada íngreme, por um terreno coberto de limo e espinheiros, entre pedras pontiagudas e estalactites de gelo. Mas seus olhos carregavam um brilho mais intenso do que a lua crescente; ele não hesitou nem por um momento. Não teve nem sequer a necessidade de tomar fôlego. Seu amor pelo desafio e a força de seus sonhos eram maiores do que o espetáculo mais assustador.

"A subida lhe tomou mais sete sóis e sete luas. Suas roupas rasgavam-se nos espinheiros. A pele, em seus braços, suas pernas, seu torso e seu rosto, foi lacerada inúmeras vezes. Ele, no entanto, nada sentiu. Olhava apenas na direção do cimo, que não via, escondido atrás das nuvens carregadas. Mas se olhasse para trás, veria brotarem, do sangue que escorria de suas mágoas, pequenas margaridas, a desenhar a trilha do caminho que percorrera.

"Estava exausto quando assomou ao topo e, pela primeira vez, lançou um olhar rumo à terra. As nuvens se dissiparam imediatamente de sob seus pés. Descortinava-se ao seu olhar a vista de todas as civilizações de um planeta sofrido e efêmero. Como pulgas, viu os homens que construíam suas casas e templos, faziam suas guerras e se entregavam às paixões. Naquele instante, para ele, glória e miséria eram uma e mesma realidade: aquela que pertence ao homem, o ser contingente e mortal, mas que se redime ao dançar e cantar em louvor a seus deuses. De todas as raças, de tantos povos, somente ele tivera a humildade e a coragem necessárias para atingir o cume da montanha. Sempre humilde, o viajante deu glórias a Alá e seu profeta.

"Já o esperava, aquele que ele tanto queria encontrar, o sábio por cujos ensinamentos abdicara de todas suas posses, abandonara suas mulheres e filhos e se pusera em marcha. Era o mais sereno de todos os rostos, e o mais belo. Suas vestes eram as mais alvas, e as mais lisas. Sentado sobre uma pedra no ponto mais alto da Terra, oferecia ao viajante silencioso o mais plácido dos olhares, e o mais profundo, cuja firmeza fazia, por si só, o mais verdadeiro de todos os discursos. Maravilhado, o viajante permaneceu silencioso. Mas o sábio, sorrindo, falou, na mais doce das vozes, e na mais agradável.

- Tu me conheces?
- Vejo-vos há anos em meus sonhos, respondeu o viajante, trêmulo e exultante.
- Bem o sei, honrado viajante. Sabes pronunciar meu nome?
- Grande mestre, tenho impressa na memória apenas a imagem augusta de vossa face, tão bela e sábia quanto a vejo agora. Mas jamais ouvi vosso nome, para minha enorme vergonha.
- Jamais deve envergonhar-se uma alma tão bela quanto a tua, viajante. Meu nome só pode ser pronunciado por quem já esteve diante de mim, como te encontras neste instante. Agraciar-te-ei com o nome que carrego há mais gerações do que terá qualquer dinastia dos homens. Bravo guerreiro, eu sou O Lunático. Pronuncia agora meu nome, sem temor ou vergonha.
- Sim, sábio mestre. Vós sois O Lunático.
- Vieste perguntar-me algo, já o sei. - E O Lunático afagou os cabelos do viajante. A paz tomou conta de sua alma, como jamais lhe ocorrera até então. - Pergunta agora; em seguida à minha resposta, desce alegremente de volta aos teus, medita e vive em paz.
- Sim, mestre. A pergunta que vos queria apresentar, reconheço, é tola para uma sabedoria como a vossa, que transcende os limites da razão mortal. Mas ousarei perguntar, porque me concedestes essa honra: o que devo fazer, ó Lunático, quando já não sou capaz de dar conta de minhas obrigações?
- Homem de boa fé! Não há nada de tolo no que queres saber. Bendito é aquele que se aflige com um tal dilema! Escuta o que tenho a contar-te:

'Na mais bela pradaria do Oriente, um barqueiro ajudava os pastores, com seus rebanhos das mais luminosas ovelhas, a atravessar um rio de águas cristalinas e frescas. Um dia, veio ter com o barqueiro, já idoso, um belo pastor de cabelos anelados, tangendo o maior rebanho que já atravessou um campo deste planeta. O menino, às lágrimas, pediu-lhe ajuda; explicou que o dono das ovelhas exigia a presença de seus animais de volta à fazenda ao cair do sol. Mas o rapaz, encantado com uma bela lavadeira que encontrara na beira do rio, esquecera-se do tempo, perdido de amor. Temia, então, as chicotadas do fazendeiro, homem severo e cruel. Dizia: 'estou perdido, barqueiro! Tende piedade de mim!' A bela história de amor comoveu o coração doce do barqueiro. Sem um instante de hesitação, ele tomou o cajado e, com um breve golpe, partiu em dois seu próprio barco. Isso feito, conseguiu transportar o pastor com seus animais. Pleno de gratidão, o menino o presenteou com o mais belo cordeiro que jamais pastou sobre os campos.'

"Tendo falado, o Lunático retomou sua posição sentada e cerrou os olhos. O viajante, novamente em silêncio, desceu todo o caminho que subira anteriormente. Mas a volta foi alegre e fácil; a alma do viajante estava leve e iluminada por toda a sabedoria que recebera. Em pouco tempo, estava de volta à sua Damasco natal, onde (...)"

O manuscrito, já irreversivelmente deteriorado, se interrompe nesse ponto. Mas o essencial da narrativa está resguardado. Felizmente. Foi quando conheci esse conteúdo, de espiritualidade inquestionável, que tomei a importante decisão que ora comunico:

Já assoberbado por minhas obrigações mundanas e com dificuldade em manter a constância deste "Para ler sem olhar", resolvi abrir um novo blog: o Cálculo Renal (www.breviario.org/calculorenal). Ele é parte de um novo coletivo, o Breviário (www.breviario.org). Cheio de gente boa, vale a pena visitá-lo. Quanto a mim, como poderia recusar um convite para ficar ao lado de gente tão capaz? Só se eu fosse um lunático.

Mas não sou; aprendo, pois, com a parábola que O Lunático ofereceu ao nobre viajante silencioso. Repetindo o gesto do barqueiro, parto ao meio o Para Ler Sem Olhar. Ficam deste lado os textos leves e que se querem agradáveis; os comentários de viagem, as anedotas e os elogios à primavera (que, falando nisso, não tem merecido elogios). Do lado de lá, no blog inverso, publicarei tudo de abstruso que meus parafusos a menos derem de conceber.

Este texto é, claro, um convite para que conheçam o Cálculo Renal. Por enquanto, ele ainda está praticamente vazio. Mas isso não deve durar muito tempo; as atualizações começarão em breve. Aos interessados, sugiro que regulem seus feeds e me façam uma visita por lá.

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Desejo boa sorte no blog coletivo. São você, o Ed do SemiÓtica e quem mais?

Quer dizer que você está abandonando seu blog? Tem certeza? POr quê não postar nos dois a mesma coisa?

20:17  
Blogger bruno cunha said...

ah ah ah
genial esta tua apresentação do teu blog...
já tenho este nos meus links, de certeza que colocarei o outro tb neles...
bons blogs!

10:56  
Blogger bruno cunha said...

1 reparo apenas: neste teu post faz link directo para o teu novo blog...

10:57  

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