A fórmula do roteiro perfeito

Não sei se já estreou no Brasil o ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro deste ano; se estreou, recomendo vivamente. Senão, recomendo para quando estrear. "A Vida dos Outros" (se é que vão traduzir assim o título
O ponto alto está, sem dúvida, nas atuações. Os três papéis principais são muito bem interpretados, sobretudo o agente da
Vou esboçar um resumo do enredo, mas muito curto, porque não é esse o intuito do texto. Na década de 80, um zeloso agente da
O diretor, produtor e roteirista chama-se Florian Henckel von Donnersmarck. Se o nome parece comprido, saiba que, completo, fica Florian Maria Georg Christian Graf Henckel von Donnersmarck, em que o Graf significa "barão". Pois esse aristocrático alemão ocidental, 33 anos, nascido em Colônia, descendente de uma linhagem de militares e industriais prussianos, batalhou durante anos para ver nas telas o resultado de seu trabalho. Sem jamais ter pisado na antiga DDR, nome oficial da Alemanha Oriental, escreveu, captou recursos e dirigiu a história que melhor toca nas chagas do antigo país. Reza a lenda que um grande escritor do lado oriental o expulsou de seu escritório aos brados, ironizando sua condição de "filhinho de papai" criado em Nova York.
Chegamos ao ponto que eu queria abordar. O roteiro, que, como em todos os filmes bons que tenho visto nos últimos anos, é muito bem construído. Não há ponto sem nó, frase solta, seqüência sem sentido. Cenas do final explicarão detalhes do início, atitudes aparentemente corriqueiras se revelarão fundamentais. As variações da tensão dramática são impecáveis, o riso se interpõe à apreensão nos momentos certos. Os personagens são profundos, ambíguos. Não há heróis claros, nem vilões absolutos. Tudo perfeito.
Como eu disse, tenho visto a mesma perfeição em muitos filmes, das mais diferentes origens. Americanos, europeus, brasileiros, argentinos, orientais. Em todos, os roteiros são precisos, enxutos, ricos. É fantástico. A impressão que tenho é de que os alquimistas da tela, esses seres fabulosos que existem para nos divertir e impressionar, descobriram a fórmula do ouro cinematográfico. O cinema nunca mais será o mesmo. Penso em Fellini, Godard, Buñuel, Truffaut, Antonioni, Glauber. Nas suas obras-primas, cheias de momentos estonteantes, que só ganhavam em riqueza com os pequenos pontos de imprecisão. As falhas deliciosas, às vezes gritantes, não são menos fruto da genialidade que as seqüências apoteóticas, que marcaram época, como o final de "Oito e meio" e a verborragia de "Terra em Transe".
Não há mais espaço para isso, como, de qualquer forma, não há mais espaço para o cinema de autor. O risco de que um roteiro resulte ruim, falho, cheio de buracos, é quase nulo. Um responsável "óbvio" poderia ser apontado, sob o nome de Syd Field, o "
Isso não significa, claro, que não haja filmes surpreendentes. Pelo contrário: todos o são. Mas não consigo deixar de sentir que a surpresa é planejada, testada em laboratório, quem sabe em ratos, antes de chegar às salas de projeção. Numa analogia de gosto duvidoso, é como se o filme fosse um dentifrício, e pesquisadores tivessem descoberto o tubo perfeito, aquele que mais agrada ao consumidor e economiza a pasta. A partir daí, todos os tubos, nas farmácias, serão idênticos. Melhor, impossível. Claro, mas estamos falando de arte, não de uma
No cinema, ou pelo menos no roteiro, o erro foi definitivamente eliminado. Mas não posso deixar de sentir que o gênio, o sublime, o êxtase, e por que não dizer, o dionisíaco, sucumbiram junto. Hoje, vou ao cinema sabendo que o filme será bom, ou às vezes não, mas o roteiro será previsivelmente imprevisível, excelente em sua regularidade, cheio de boas sacadas, mas sem nenhum grande vôo, nenhum risco, nenhuma jogada de mestre. Isso não impede que se produzam filmes maravilhosos, como esse "A Vida dos Outros". Mas algo está faltando. Sinto saudades de ser arrebatado por seqüências como o final de "O Eclipse", do Antonioni. Algo assim, hoje, é simplesmente impensável.
PS: Diretores como Lars Von Trier, David Lynch, Wim Wenders e Woody Allen são um caso à parte. Mas eles já estão aí há bastante tempo, então não contam.
13 Comments:
Obrigado pela dica! Uma boa oportunidade de treinar o alemão!
Vou lê-lo com toda razão!!!
Vou vê-lo com toda certeza.
boa dica!
nice post!
Achei vc lá no Alex Senz... Gostei de um comentário que vc fez por lá e vim até aqui te conhecer.
Valeu a dica!
Bjs
Fui ver um filme alemão sobre os últimos dias do Bunker do Führer, muito bom, correu ao Oscar e perdeu. Gosto da variedade temática no cinema alemão e aqui chegamos a um ponto que nem posso ouvir falar em Quentin Tarantino, de tantos imitadores que há.
Quero ver o filme, mas sabe-se lá quando que vai chegar ao interior do riogrande do sul, no cinema provavelmente não irá passar, em dvd chaga junto com o resto do brasil, mas como eu não sei quando é isso resta esperar.
Olá Paulo!
Obrigada pela tua visita ao "Canto poético".
Gostei deste teu espaço.
Abraço
paulo: osrevni
inverso :oluap
paulo in verso
Gostei.
Pois é. Só nos resta seguir caminhando e, no palco do mundo, ir encenando (e não só ensaiando) os atos da vida.
Olá Paulo, a gente vai fazendo arte como pode, mas isso dá uma satisfação danada. Obrigada pela visita ao Le Mur. Bom, o último filme que vi foi um clássico: Godard, Alphaville. Beijos
Vim retribuir sua visita, meu caro Paulo e me deparo com um texto que me chamou a atenção pela fluidez e leveza. Vou me demorar um pouco nas postagens anteriores. Espero retornar com assiduidade.
Um abraço e, mais uma vez, obrigado por sua visita.
também acho o final de O Eclipse arrebatador.
OLá Paulo, tudo bem?
Gostei da indicação do seu filme.
Vou procurar saber se ele já chegou aqui no Brasil.
Gosto muito de filmes.
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