26.6.06

Seção Pipoca no Escuro: L'enfant

(atenção, vou contar o enredo do filme. Se pretender vê-lo, não leia!)

O filme em si não tem nada de extraordinário. Não é que seja ruim, pelo contrário, é bom. Mais pra bonzinho. Mas vou comentar aqui porque é possível fazer uma ponte com o filme que inaugurou a seção Pipoca no escuro: O homem que copiava paralersemolhar.blogspot.com/2006/05/seo-pipoca-no-escuro-como-atingir-seu.html). Sim, este filme francês de 2005 tem muito a ver com o brasileiro que comentei recentemente.

Dirigido por Luc e Jean-Pierre Dardenne (serão irmãos?), L'enfant (A criança) conta a história de um jovem casal formado por Sonia, uma bela moça, e Bruno, uma espécie de trombadinha francês e maior de idade que ganha a vida nos pequenos roubos para poder curti-la ao lado da namorada.

O filme começa com Sonia procurando desesperadamente por Bruno, carregando no colo seu recém-nascido filho Jimmy. Quando finalmente se encontram, ele está se preparando para mais um roubo, e descobre-se que o malandro alugou o apartamento dela para um amigo.

Com a ajuda de dois rapazotes com não mais que 14 anos, Bruno consegue surrupiar mais alguns produtos eletrônicos; após dividir o butim com os garotos, pega sua amada Sonia, seu pequeno Jimmy, aluga um carro conversível e parte por aí em meio a risadas, beijos e abraços, com toda a alegria da juventude.

À noite, dormem em um albergue para sem-tetos, e no dia seguinte registram a criança. No cartório, oferecem-lhe um emprego que paga 1.000 euros ao mês, mas ele recusa. Trabalho é coisa de otário, diz. Ela, apaixonada, não dá grande resposta.

Tudo vai bem, até que Bruno se lembra da possibilidade de, nada mais, nada menos, vender a criança. Sem perguntar a Sonia, ele deixa a criança dentro de um quarto escuro para ser recolhida pelos compradores. Em poucos minutos, onde antes havia um bebê encontra-se um envelope com 5 mil euros.

Tranqüilamente, ele volta para o esconderijo que divide com a namorada. Lá, conta para ela o excelente negócio que fez, sem qualquer alteração na voz. E se surpreende quando ela perde os sentidos. Bruno, assustado, leva Sonia para o hospital. Sabe que ela vai denunciá-lo à polícia, por isso sai correndo atrás do filho.

Naturalmente, os traficantes de bebês exigem o dobro do dinheiro para devolver Jimmy. Como ele não o tem, fica com a dívida, e se vê obrigado a roubar para os criminosos, sob ameaças e algumas agressões que provavelmente doeram bastante. Saída do hospital, Sonia não quer vê-lo nem pintado de dourado. Evidente.

A situação para ele está preta. Chama um dos garotos e tenta mais um roubo, mas são perseguidos pela polícia, e o menino acaba apanhado.

Nesse momento se dá a virada na mente de Bruno. Ele vai até a polícia e se entrega, inocentando o menor de idade. Já no xilindró, Sonia aceita reencontrá-lo, e a cena final da película são os dois abraçados, chorando convulsivamente. É algo catártico, eu diria. O senso de responsabilidade caiu sobre a cabeça de Bruno como uma bomba, de repente, quando já era quase tarde demais. Ele perderá anos de sua vida naquele lugar, mas não perderá a vida em si. Ao mesmo tempo, recupera a mulher e o filho, e ganha a possibilidade de construir, de fato, uma vida.

Vamos à comparação com o filme de Jorge Furtado. Bruno e Sonia são adoráveis, verdadeiramente adoráveis, exatamente como todos os personagens de O homem que copiava. Como eles, são inocentes e bondosos, vivem em função do amor e do prazer, têm sonhos belos para o futuro.

Em ambos os filmes, os jovens personagens não têm muita noção do que possa ser o mal, a não ser, naturalmente, o mal que os atinge diretamente, como o pai que maltrata a filha no filme brasileiro ou a possibilidade de ser apanhado pela polícia no francês.

Tanto em um quanto em outro, a vontade é ganhar a vida sem grande esforço e aproveitá-la da melhor maneira possível. Os gaúchos de O homem que copiava, por exemplo, querem viver próximos ao Cristo Redentor, e os franceses querem passear de carro pelo interior de seu belo país.

Onde está a diferença fundamental? É evidente: O homem que copiava termina triunfalmente no Rio de Janeiro, com todos os personagens, milionários após fraudes, assassinatos, assaltos e traições, felizes e contentes. Na versão brasileira, o crime é uma festa. Uma excelente maneira de subir na vida. É como ganhar na loteria com um empurrãozinho a mais (por sinal, eles ganham mesmo na loteria). Não há um momento em que a realidade bate à porta, como no filme francês. O próprio tom do brasileiro é laudatório aos corajosos e espertos garotos que driblaram todo mundo.

Em L’enfant, a irresponsabilidade de Bruno, maior de idade e pai, tem seu preço. E é um preço alto. Bruno descobre que viver não é brincadeira. Pelo menos, não na França. No Brasil, olhando em volta, me parece que talvez seja mesmo.

E olha que mesmo as brincadeiras cobram seus preços.

4 Comments:

Blogger Camila Fernandes said...

Olá, Paulo,
Obrigada pela sua visita ao Demo. Como você me "achou"?
Você tem razão, Einstein é o autor do comentário. Ele podia ser físico por vocação e profissão e não manjar nada de poesia, mas descobri recentemente que nas horas vagas o homem era um notável violinista. Ele provavelmente sabia do que estava falando...

00:22  
Blogger Camila Fernandes said...

Agora, sobre a presente crítica cinematográfica, achei muito interessante a comparação entre os dois filmes, embora eu tenha assistido apenas ao brasileiro. Esse francezinho Bruno parece quase um sociopata.

00:26  
Anonymous Anônimo said...

Pô,não conta o filme.... Eu ia assistir...

05:55  
Blogger anouska said...

humm, não sei, paulo, não sei. quando assisti ao "homem que copiava" não senti esse tom de saudação ao crime. você reparou como a vida dos personagens era toda meio sem sentido, sem futuro, sem perspectivas. o fato de ter feito aquilo parece ter sido um tudo-ou-nada. na frança as pessoas ainda têm o direito de sonhar, talvez. aqui, nascido pra ser empregadinho de uma loja qualquer, que futuro você pode vislumbrar? repito, não acho que o filme do jorge furtado louva o crime. acho que o tom é meio burlesco, de farsa mesmo, aquilo tudo foi uma grande cagada que aconteceu na vida deles. poderia ter dado tudo errado. aliás, as chances de dar errado eram de 99%. brasileiro se agarra na sorte, ou em deus. é o que nos resta. pra mim, foi isso que ficou do filme. (ah, por favor, não tome esse meu comentário como "esquerdista", xingamento que anda na moda na net, atualmente, rs...) bjs, querido

15:01  

Postar um comentário

<< Home

online weblogUpdates.ping Para Ler Sem Olhar http://paralersemolhar.blogspot.com/ Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com Check Page Ranking Blog Flux Directory Blog Flux Directory Blog com crônicas e relatos da vida de um estudante brasileiro em Paris, França. Contos, críticas, reflexões políticas.