30.7.07

Seção obituário: Ingmar Bergman (1918-2007)

Tinha planejado para hoje a publicação de um conto. Uma história triste, que contaria uma pequena tragédia ocorrida no bairro. Mas vou ser obrigado a passar por cima do relato. Hoje é dia de ressuscitar a mais pesarosa das seções deste blog (é verdade, houve um tempo em que eu discernia "seções" no blog). Hoje é dia de um dos meus obituários mais sentidos. Largou este planeta o gênio Ingmar Bergman.

Cheguei a crer que o cineasta sueco, cujo nome assina filmes como "O Sétimo Selo", "Gritos e Sussurros", "Morangos Silvestres", "Persona" e "O Ovo da Serpente" viveria para sempre. Eu sou assim, tendo a acreditar que a morte é apenas para os mortais, que os artistas divinos são eternos. É claro que isso é uma tolice. Mas Bergman, bem ao seu estilo, reforçava essa impressão. Aos 89 anos, com a energia que muito garoto não tem, ainda trabalhava. Lançou há poucos anos um filme para a televisão chamado "Sarabanda", com uma de suas ex-mulheres, e a mais conhecida de todas, Liv Ullmann, no papel principal. Era tão bom que foi parar nos cinemas.

Enquanto isso, o diretor continuava escrevendo para a televisão e o teatro. Da tela grande, para a qual havia produzido uma quarentena de obras, estava aposentado desde o início dos anos 80, quando deu por encerrada a produção de mais uma obra-prima. Era sua última, a colorida e auto-biográfica "Fanny e Alexander". Foi um fechamento, como dizem, com chave de ouro: em 1982, o filme recebeu o Oscar de melhor produção estrangeira (odeio essa categoria). Era o terceiro do diretor.

Tão interessante quanto seus filmes é a própria figura de Bergman. Era um artista, na mais alta expressão do conceito. Transformava seus dias, seus sonhos, emoções, medos e idéias, em roteiros e filmes. Escreveu vários livros sobre o próprio trabalho e a própria vida; não são textos auto-laudatórios, mas verdadeiras análises da gênese de uma obra de arte. Há poucos anos, talvez dois, um documentário mostrava o idoso Bergman na ilha em que vivia (Fårö, que significa ovelha), ainda anotando seus sonhos e fazendo listas dos demônios que o atormentavam.

Muitos de seus filmes devem ter nascido de listas assim. Discutiam, sem um pingo sequer de melodrama, os mais terríveis assuntos. Morte, solidão, guerra, doença, ciúmes. Eram filmes de uma austeridade que faz falta na cafonice que tomou de assalto as salas de projeção. Bergman era capaz de obter de seus atores as interpretações mais precisas. Não são raras as longas tomadas silenciosas e sem movimento, mas cujos sentido e sentimentos são tão perfeitamente compreensíveis que, se não prestarmos atenção, acreditaremos ter visto um filme inteiro, agitado e barulhento.

Foi certamente um dos maiores diretores da história; arriscaria mesmo dizer que foi o mais importante de todos. Seu trabalho incansável interagia constantemente com sua atuação como diretor e autor de teatro e televisão. Foi diretor do Teatro Nacional sueco, onde montou dezenas de textos do grande dramaturgo de seu país, August Strindberg. E, de fato, muitos de seus filmes eram transliterações de suas próprias peças ou, no sentido inverso, alguns de seus filmes foram levados para o palco. No Brasil, por exemplo, "Sonata de Outono", originalmente com Ingrid Bergman (sem parentesco) e Liv Ullmann, esteve em cartaz no Rio de Janeiro, com Marieta Severo e Andréa Beltrão.

Este texto foi escrito às pressas, para não deixar passar o impacto triste que sofri ao acordar e ler a notícia na internet. É apenas um obituário. Sentido, é verdade, mas factual. Bergman merece outros textos, sobre a impressão indelével de alguns de seus filmes sobre minha memória de cinéfilo, sobre a ilusão que um dia ele me causou de que eu mesmo poderia ser um cineasta (nunca o perdoarei), sobre as reflexões que sua obra suscitam em quem não vai ao cinema apenas para passar o tempo.

Esses textos virão, espero.

4 Comments:

Blogger Ivo Korytowski said...

Bergman abordou tanto a morte na sua obra... enfim matou a curiosidade e a conheceu! Um gênio da direção, como Chaplin, Hitchcock, Woody Allen, Spielberg, Buñuel e tantos outros.

17:05  
Blogger Lelec said...

É, mon ami...
O vácuo deixado por Bergman é monumental. Ficam seus filmes, tais como "O Sétimo Selo", "Morangos Silvestres", "Super Xuxa Contra o Baixo Astral"... Ops, acho que esse último filme não foi dele não.
Seja como for, estamos todos tristes. Só nos resta rever sues filmes, debatê-los e escrever sobre eles.

PS: Parabéns pelo blog. Além do gosto por Bergman, também vejo outro ponto em comum: somos vítimas da burrocracia francesa. Quem diria: cruzamos o Atlântico para vir penar com a papelada dos franceses. Viva o princípio Astérix!

00:09  
Anonymous Anônimo said...

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15:30  
Anonymous Anônimo said...

Uma pena!

14:33  

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