12.7.07

Buongiorno, Mediterrâneo!


Gênova foi a cidade que achei mais interessante na Itália. (Dentre as que conheci, é claro, o que exclui Nápoles, Palermo, Veneza e Milão.) Parem as máquinas! Então Gênova é mais interessante do que Florença e Roma? Num certo sentido, é. Florença está entregue aos vendilhões do templo, que transformaram uma das cidades mais determinantes da história do Ocidente numa espécie de Campos do Jordão internacional. Quanto a Roma, está sob o controle dos italianos, e não há paraíso terrestre que esse povo folclórico não consiga esculhambar.

Já a cidade de Colombo, pelo menos, parece estar livre dessas forças malignas. Quem se interessa pela Itália histórica, aquela que ofereceu ao mundo gente como Giotto, Michelangelo, Maquiavel e Dante, que abra mão da Florença que abrigou esses gênios, e tantos outros. Essa que, hoje, está assentada sobre o solo da Toscana, não é a mesma dos guelfos e dos Médici.

Quanto à velha Gênova, poucos passos levam da estação de trem aos becos medievais, escuros, que às vezes mal dão passagem a uma pessoa. Os edifícios centenários, coloridos, são pontilhados de afrescos religiosos e invariavelmente ligados por varais. Em quase todas as janelas, o azul e vermelho do Genoa, um dos clubes de futebol da cidade, o mais antigo do país, que acaba de retornar à primeira divisão do campeonato italiano.

O centro histórico é muito bem conservado, a não ser por um viaduto, já à beira do Mediterrâneo, que lembra muito o da Perimetral, no Rio de Janeiro. O antigo porto, das galés romanas e dos mercadores renascentistas, foi reformado, em projeto de Renzo Piano, o orgulho vivo da cidade. Um largo calçadão, com seus bancos de madeira em que descansam os idosos, proporciona aos genoveses seus passeios à beira-mar, tomando o gelato que só os italianos sabem fazer.

Nos bairros um pouco mais afastados, escondidos dos olhos de quem se interessa pela arquitetura histórica, os edifícios altos e modernosos parecem indicar que não apenas da memória de seus navegantes e exploradores vive o lugar. Renovado há pouco mais de uma década, o porto injetou na região um novo sangue econômico. É, em resumo, uma das cidades mais dinâmicas da Itália, no dizer de seus orgulhosos moradores.

A topografia de Gênova lembra a de Salvador: uma "cidade baixa", a antiga, numa faixa estreita entre o mar e as montanhas, e as casas que vão subindo as escarpas quase verticais. Não há um Elevador Lacerda, mas há muitos outros elevadores e funiculares que levam aos bairros mais elevados. Ao contrário da capital baiana, não são os excluídos e miseráveis que ocupam as encostas; muito pelo contrário, ali estão as maiores casas, os condomínios, os antigos palácios, que aproveitam ao máximo a paisagem deslumbrante. É como uma Santa Teresa antes das favelas, ainda que a vista não rivalize com o panorama da baía de Guanabara.

Lá de cima, pude me dar conta de que contemplava, pela primeira vez na vida, o Mediterrâneo. Uma constatação tola, talvez; mas não posso fazer nada, ela me atingiu. Água bonita, é verdade. Uma tonalidade diferente das que conheço, uma mistura indescritível de tons de azul e verde. Pela linha do horizonte, navios às centenas. Só então percebi a saudade que tinha de contemplar o mar, sentindo a brisa nas narinas e nas copas das árvores. Quanto tempo, pensei. Como é bom!

Quem poderia dizer, do alto dos morros de Gênova, que, por milênios, aquele mar foi o centro de gravidade da civilização ocidental? É o mar dos fenícios, dos gregos, dos cartagineses, dos romanos, dos sarracenos, venezianos e, claro, dos genoveses. Fiquei tentando imaginar, debaixo daquela água, os tantos navios afundados nas lutas em nome dos reis e imperadores de suas margens. Pensei nos corais de tantos séculos, acumulados, e no destino de tantos marinheiros afogados e insepultos.

Mas não consegui. Diante de mim, havia apenas um mar, ondejando em paz, ao sabor do vento e espatifando o brilho do sol. Na cidade, os genoveses levam suas vidas como qualquer habitante de Vitória, Cuiabá ou Blumenau. Pegam trânsito, trabalham, torcem para a Sampdoria ou o já mencionado Genoa. As marcas de tanto passado estão apenas nas antigas muralhas, em ruínas; nos becos tomados por lojas de paquistaneses e etíopes; nos museus da avenida Garibaldi, com obras de séculos de descobertas da sensibilidade artística.

Como não sou local, pude viver nessa adorável cidade um pouco do que é a Itália, em termos históricos. As igrejas medievais abertas, sem bilheteria, em que se podem descobrir tesouros que não estão nos guias turísticos. A população que dá informações sem esperar nada em troca. Os restaurantes que cobram apenas pelo que servem, sem estratagemas para tirar mais dinheiro de quem está pacificamente sentado à mesa.

Mal sabíamos, enquanto passeávamos à beira do Mediterrâneo genovês, tomando nosso sorvete de melão, que ainda havia muita Itália em nosso caminho.

9 Comments:

Blogger Mariana said...

Que delícia... Vontade de pegar o primeiro avião e o primeiro trem para Gênova. Aliás, os relatos italianos estão tão saborosos quanto uma pasta que faz chorar!

15:16  
Anonymous Anônimo said...

Eu ainda visito a Itália!

17:00  
Blogger Allan Robert P. J. said...

Se você não deu uma voltinha de barco pelo porto de Gênova, perdeu a melhor parte. Também gosto dessa proximidade a Salvador, com cidade alta e baixa. Só faltou o Pelô.
Curiosidade: antigamente - e bota tempo nisso - as casas da orla eram coloridas para que os marinheiros pudessem avistá-las mais facilmente.

20:18  
Blogger Bbel said...

Não sei o que se passa, mas o texto veio todo desconfigurado...
Volto logo mais.

21:02  
Blogger Myriam Kazue said...

Leio este seu blogue com um prazer renovado a cada post.

Também sou leitora do Breviário, a quem fui apresentada pelo Diego, do Perambulagens.

Título apropriado tem o Cálculo Renal. No início achei estranhíssimo, mas agora me parece tão óbvio. A 'dor' que sinto ao lê-lo deve ser parecida com a sua, que diz experimentar ao parir seus textos. Acho que somos um tanto masoquistas.

07:42  
Blogger vinte e dois said...

Confesso que li com prazer alguns dos teus posts e este último é sem dúvida uma pequena visita guiada bastante saborosa ;)

03:19  
Blogger MCA said...

Tenho, desde a infância, uma verdadeira paixão por Itália (que ainda não conheço, infelizmente) em parte pela minha ascendência italiana. Esta descrição de Génova deixou-me ainda mais encantada, se possível. Mas pergunto-me: já esteve em Lisboa? Já visitou Alfama. Algo nesta descrição me faz pensar que deve haver semelhanças.
Obrigada pela visita à BdJ.

11:18  
Anonymous Anônimo said...

Bonito relato.

18:48  
Anonymous Anônimo said...

Traidor, lembrou até dos fenícios e esqueceu Castagneto !!! Devia ter procurado e fotografado a Salita Emmanuele Cavallo, para meu benefício (os endereços estão todos no livro, que, eu acuso, você não leu). Ah Paulo Osrevni, espero que seu blog seja invadido e dominado por alguém mais determinado, alguém, digamos, como um cruel conquistador espanhol, ou valoroso muralista mexicano, por exemplo um Diego desses que marcaram a História.

20:28  

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