24.5.07

Germain e o amor adolescente


Tomo o metrô na companhia de Germain, meu amigo autóctone-porém-simpático, com quem mantenho conversas deliciosas. Mas desta vez, numa estação, somos interrompidos pela entrada de um casal de adolescentes. Com seus chicletes e risadas, sentam-se bem à nossa frente. A menina, não posso negar que observei, é promessa de uma bela mulher no futuro. Traços elegantes e suaves, postura nobre, expressão firme. Algo nos olhos, no vestido, nas pernas cruzadas, que dá a adivinhar o instinto, a resultar um dia em arte, de encantar e ressaltar a magia de seu sexo. Já o garoto não vale uma descrição mais detalhada. É daqueles que claramente crescerão para se tornarem adultos desprezíveis, irrelevantes, provavelmente desonestos, atores de todos os crimes e pecadilhos obtusos de que ouvimos falar.

Ainda não tive, infelizmente, a oportunidade de falar sobre Germain neste espaço. Mais uma vez, deixo para outra ocasião, e me limito aos traços gerais de sua personalidade. É uma das pessoas mais brilhantes que jamais conheci. Não perde nenhuma oportunidade de fazer uma boa piada e, o que é a talvez mais importante, embora seja capaz de discorrer em profundidade sobre qualquer assunto, não tem vergonha de admitir quando desconhece algum ponto. É, em resumo, das melhores companhias que alguém pode ter durante uma viagem de metrô. Ele me explicava, por exemplo, as razões para a derrota da esquerda nas últimas eleições, quando o jovem casal entrou no trem.

Ficamos, ambos, de olhos fixos nas duas figuras. Aproximo-me de Germain e observo, ao pé do ouvido, que é um casal estranho, tristemente estranho. Espero, claro, a imediata adesão de meu amigo. Mas ele, ao contrário, demonstra surpresa diante de minha avaliação. "Não sei como as coisas funcionam em seu país", diz. "Mas, para mim, esse casal não tem nada de surpreendente. Considerando a idade, é claro". E como não pareço entender, ele explica sua teoria sobre a relação entre os sexos, na sua linguagem empolada de especialista em Montaigne.

"Para compreender os adolescentes, meu caro, é preciso colocar-se em seu lugar. Devemos tentar pensar como eles. Veja... é um período difícil, conturbado... Não me diga que você não se lembra da sua adolescência!" Lembro, sim; e muito bem. Ele continuou. "Na adolescência, são justamente esses tipos que estão na crista da onda. Sua personalidade viscosa se encaixa perfeitamente nas, digamos, idiossincrasias da faixa etária. Não é à toa que se destacam e chamam a atenção de suas coleguinhas. Elas, de seu lado, embora sejam realmente mais maduras que eles, isto é, em geral – Você sabe que as mulheres amadurecem mais cedo, não sabe?" Anuí com a cabeça, quase ofendido.

"Pois bem. Apesar disso, nessa idade elas ainda não descobriram os aspectos mais sutis da relação entre os sexos. Deixam-se levar pelo estardalhaço vulgar desses aspirantes a Don Juan de espinhas, por mais tolos que sejam do nosso ponto de vista. Você precisa entender, meu amigo, que o arcabouço propriamente sexual é estéril, nessa etapa da vida! Mas isso se compreende, não é mesmo? São quase crianças.

"Aos poucos, porém, as mulheres, ao menos as mais favorecidas pela Criação, vão tendo contato consigo mesmas. Descobrem onde está seu prazer e onde conseguirão realizá-lo. Seus olhares mais lânguidos vão aos poucos se direcionando para alguns rapazes que – e elas mal conseguem acreditar – eram até há pouco uns mancebos de pouca ou nenhuma importância, mas que sempre tiveram algo, uma coisa indefinível, no olhar, na voz, no jeito de ser, que as atraía. Antes mesmo que elas pudessem entender o que se passava, porque elas se esforçavam em ignorar e enterrar esse efeito sob camadas da paixão pueril que tinham por aqueles outros. Como esse aí, que, não demora, será considerado indigno por essa mesma crisálida que hoje afaga seus cabelos espetados.

"Felizes, meu caro, são as mulheres que descobrem esse novo mundo. Essas, sim, se realizam no amor. Não tenho dúvidas de que será o caso dessa jóia promissora. Por outro lado, também felizes são os homens que conseguem aproveitar a mudança favorável dos ventos. Que não estavam já entregues a um niilismo auto-destrutivo. Quando garotos, é verdade, eram obrigados a se contentar com pares de auto-estima tão baixa quanto a sua; em outras palavras, as meninas que eram rejeitadas pelos tais galãs juvenis, como eles eram rejeitados pelas mulheres que desejavam. Mais velhos, ao contrário, terão entre os braços aquelas com que sempre sonharam. Com a vantagem de que elas estarão mais formadas, maduras, femininas. Em uma palavra, irresistíveis. Não concorda, camarada?"

Honestamente, eu não teria o que objetar à teoria. Mas tampouco quero me associar de uma vez a uma visão tão determinista dos fatos. Com isso, ficamos em silêncio enquanto o casal parte, uma descida antes da nossa. E continuamos quietos até descer da estação. Já sob a chuva fina, desagradável, que cai sobre a rua, despedimo-nos com um abraço apertado. Enquanto observo as costas de Germain a se afastar, inclinando o pescoço para se proteger da garoa incômoda, reflito sobre suas palavras. Não estou certo, mas espero que ele tenha razão.

Ponho-me a caminho de casa, sempre pensativo. Ao chegar à soleira de minha porta, já estou convencido. Como de hábito, sou forçado a me dobrar ao raciocínio de Germain. Ele está absolutamente correto. Ainda bem.

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Gostaria de ver umpost sobre o sarko-fasho do ponto de vista de quem mora aí. Nem consigo ler todos os Google alertes que entram na minha caixinha.

Bisous

15:03  
Blogger Carlos Zev Solano said...

Narrativa que me lembrou a de um autor russo que também se inicia num metrô ou trem.

Gostei.

Abraços.
BLOG: Rascunhos na Net

00:33  
Blogger O natural de Barrô said...

Excelente prosa.

Abraços.

14:28  
Blogger Gabriela said...

Curiosa e ansiosa por mais histórias do Germain.

Sempre bom vir aqui!

Beijos

22:26  

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