14.7.06

Seção versos subcutâneos: Montagem

Deixei de lado por tempo demais a minha seção preferida. Em parte, porque assuntos mais concretos têm me ocupado, como bombas em ônibus, roqueiros mortos e muros que dividem cidades.

Mas acho que o motivo mais profundo é o período por que passo, de revisão interna das minhas convicções artísticas, i. e., poéticas; tudo, admito que a isso se possa chamar "vácuo criativo" ou coisa assim.

Mas há por trás algo além. Na fase em que estou, tenho desgosto por tudo que já produzi. Sinto que falta algo, talvez isso, talvez aquilo. Travo uma luta entre meu gosto pelo sucinto e minha admiração pelo grandioso; o quotidiano e o transcendental; o concreto e o sonoro; o louvor à palavra e sua aniquilação.

Resultado: não sei qual caminho seguir, porque gosto de todos. Vejo poetas escrevendo ensaios em que rejeitam aspectos de alguma escola poética. E eu, concordando não com todas, mas com grande parte das soluções, ao mesmo tempo rejeito as críticas. Não consigo me associar a nenhuma corrente.

O século XX foi capaz de nos provar peremptoriamente os riscos da arte programática. Ficou claro que vanguarda é contingência, não panacéia. Não há rotas desenhadas, ou antes, há, mas todas elas são engarrafadas e levam ao mesmo lugar.

Com que, então, podemos substituir os programas e manifestos? Claro: com um amálgama das idiossincrasias humanas. Mas o que é isso? Como manifestar isso sobre, por exemplo, uma folha de papel? Ou uma tela? Ou um palco?

Tudo é permitido? Nada pode ser criticado? Não é possível, o resultado seria a anarquia. Mas não é a anarquia que queremos atingir? Claro que não, se quiséssemos não sairíamos de casa. Também não adianta teorizar: isso nos joga de volta às vanguardas, cujo tempo passou por superação histórica.

Tenho pensado sobre isso, e não gosto de nada do que escrevo. Também deixei de gostar do que escrevi. Tenho uma convicção a respeito da postagem de poemas no blog: só posto os mais antigos. Deixo-os envelhecer algum tempo, como vinho, guardadas as devidas proporções. Depois releio-os, mudo-os quando necessário (sempre), e quando sinto que há relevância em seu tema, posto-os.

O problema é óbvio: se eu rejeito tudo que jamais escrevi, acabo não postando nada!
Hoje juntei forças e recolhi este aqui. É uma homenagem a um dos grandes mestres do cinema, o soviético Sergei Eisenstein, o papa da montagem cinematográfica, o homem que transformou as imagens em grandes seqüências de ideogramas em movimento.

Montagem
A Sergei Eisenstein

Uma faca
Na mesa / a faca
No tampo rugoso da mesa de mogno
O fio / o cabo / o frio da faca

O sangue
Na mão / a mancha do sangue
Nos calos da mão / nos dedos
O úmido / tépido / trágico sangue

Aos olhos
Às faces
Ao queixo
O choro
O espasmo / soluço / salobro do choro
A textura / o brilho / o mistério da lágrima
Da lágrima

Na mesa / a faca
O sangue / na mão
A lágrima na face
No coração / a fenda
No fato / a metáfora

1 Comments:

Blogger Cristiano Contreiras said...

a verdade/ o compasso do cotidiano
os sentires/ a angústia
às calmarias
real/surreal
amor
o tom da delicadeza/ tristeza mórbida

07:31  

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