28.7.06

Lá fora também tem guerra

Tenho acompanhado os acontecimentos no Líbano com natural preocupação, mas acima disso, um grande ponto de interrogação na cabeça. Há dias venho querendo escrever sobre o assunto, mas não conseguia levantar informações confiáveis. Jornais, comentaristas, estudiosos, nada foi capaz de fornecer base para que eu entendesse exatamente o que se passa por lá.

Aquela parte do mundo é um barril de pólvora desde o Império Romano, como se sabe. No século XX, a criação do Estado de Israel não foi exatamente um instrumento de pacificação. Dali por diante, a quantidade de guerras, oficiais ou disfarçadas, é de perder a conta. Yom Kippur, Seis Dias, Golfo (sim, tudo relacionado)... e, a cada dia, atentados, incursões militares israelenses e assim por diante.

O próprio Líbano esteve envolvido nessas escaramuças muitas vezes. Até aí, sem novidades, nada que deixe alguém confuso. Todo mundo ali em volta odeia Israel, que por sua vez odeia todo mundo, os terroristas fazem o que bem entendem, Israel responde com força (bastante), morre um monte de gente e o ciclo se repete. Quem está do outro lado do mundo, como nós, e não corre o risco de levar uma bomba na cabeça, pode até achar monótono.

O que, então, me confunde? Vamos à cronologia. O Hamas, grupo político e terrorista (lá tem dessas coisas), foi eleito partido majoritário da Autoridade Palestina, anunciando um cessar-fogo com seu inimigo judaico. Outros grupos não concordaram com a idéia e continuaram atacando Tel-Aviv e Jerusalém. Os israelenses, além de cortar a ajuda financeira ao governo palestino, iniciaram uma campanha para eliminar parlamentares e ativistas do Hamas. Dois palestinos foram seqüestrados na Faixa de Gaza sob acusação de serem terroristas.

Por enquanto, nada de Líbano. Mas aí entrou na história o tal do Hesbolá, Hezbolá, Hizbolá, Hizbollah, Hezbollah, ou como quiserem grafar. Como resposta ao seqüestro dos dois palestinos, entraram no norte de Israel, notadamente Haifa, pelo sul do Líbano, e seqüestraram dois soldados israelenses. Por enquanto a história é uma competição de seqüestros, pelo visto.

E quem é esse Hesbolá (e suas outras grafias)? O nome significa “Partido de Deus”. Consideram-se seguidores das idéias do aiatolá Khomeini, aquele do Irã. Seu nome descreve uma parte do que realizam. De fato, são religiosos, e bastante e, de fato, são um partido político. Hoje, eles detêm aproximadamente 11% das cadeiras do parlamento Libanês. Mas eles também são proprietários de hospitais, clínicas, centros agrícolas e outras iniciativas sociais. Recebem dinheiro de doações privadas, públicas e mesmo transnacionais, como do governo iraniano.

E o Líbano, esse que está sendo bombardeado e bloqueado, é um país razoavelmente bem distribuído entre muçulmanos e cristãos, a ponto de sua constituição de 1943 exigir um presidente cristão e um primeiro-ministro islamita. Sua capital, Beirute, era considerada a Paris do Oriente Médio, e lembrava também o Rio de Janeiro (o Rio de antigamente, não o de hoje) por suas praias e montanhas próximas. De 1975 a 1990, porém, sofreu com uma guerra civil (apesar de envolver outros países da região) que esfacelou quase por inteiro sua economia e deixou como legado uma ocupação militar síria que só veio a acabar definitivamente (ou quase) no ano passado, após a morte do ex-primeiro-ministro Rafik Hariri, atribuída à Síria. O episódio ficou conhecido como Revolução do Cedro.

Portanto, quando a nossa história começa, temos um Líbano tentando se reerguer, Israel tentando demonstrar sua força e palestinos tentando espezinhar os vizinhos ricos. O governo israelense tomou para si a missão de recuperar seus soldados seqüestrados, com rápidas incursões militares pelo sul do Líbano e bombardeios em áreas ocupadas pelo Hesbolá. Este último, por sua vez, continuou atacando as cidades do norte de Israel.

E de repente, a parte que não consigo compreender, e ninguém consegue me explicar. Por que Israel começou a bombardear Beirute? Por que bloquear os portos do país? Por que os alvos civis? O Hesbolá tem cadeiras no Parlamento, mas não é maioria, nem é governo. O governo israelense acusa o libanês de apoiar os radicais islâmicos, mas qual é a evidência? O que eles esperam conseguir com isso? Jogar o público contra o Hesbolá? Duvido, muito pelo contrário. Estão é atraindo o ódio de quem até então era neutro ou favorável na região. Será que eles esperam que os soldados seqüestrados pulem dos buracos das balas de canhão? Parece um pouco improvável.

Israel é conhecido, entre outras coisas, pela eficiência de sua polícia secreta, o Mossad. Episódios como a captura de Eichmann na Argentina, o assassinato dos terroristas de Munique e as operações de inteligência da Guerra dos Seis Dias fizeram a fama dos agentes. Há quem creia que eles são capazes de tudo. Então por que gastar tempo e credibilidade com bombardeios a Beirute, que vinha pouco a pouco sendo reconstruída?

O mundo mudou muito desde os anos 50 e 60, quando num piscar de olhos o exército israelense tomava território dos vizinhos árabes que os atacavam. Naquele tempo, os tanques chegavam à porta do Cairo ou Damasco e os governos inimigos se recolhiam de medo, eram obrigados a ceder, negociar e por fim se entregar. Hoje, o inimigo não é mais territorial. Os terroristas que atacam Israel estão por todo lado. Dentro do país, principalmente. Bombardeios e outras operações militares padrão são um verdadeiro anacronismo. Pior: são combustível para o ódio, formam novos terroristas em potencial e dão razão aos muçulmanos que vêem grupos como o Hesbolá como “organizações de resistência”. Pior: recentemente, uma pesquisa revelou que a maioria dos cristãos libaneses pensam assim.

Tem alguma coisa aí no meio que eu não entendo.

4 Comments:

Blogger i said...

Tentei responder, mas não consegui... e a resposta é: Volte!! Volte sim!! Pelo amor de Deus!! E traga outros com você!! (Sim, isso é o desespero de um blogueiro em busca de leitores.)

22:40  
Blogger Lua em Libra said...

Paulo,

não quero comentar este texto, esta guerra estúpida, a clareza com que me ensinas alguns aspectos dessa confusão. Quero, sim, comentar este blog-mercado-de-pulgas, e isso é um elogio, viu? A-do-rei. Os poemas, a melhor parte dele, os textos claros, coerentes, o olhar multifocado, inquieto, atento. Quero vir muitas vezes, posso?

Beijo, parabéns.
CeciLia

14:35  
Blogger Anna D'Castro... said...

Guerra...guerra...guerra... A humanidade anda em guerra permanentemente, seja no Líbano, ou em outra qualquer parte, até mesmo por aqui... um tipo de guerra urbana... até onde irá a humanidade com tanta sede de sangue e vingança??? Nós poetas que temos sonhos e que tentamos passar esses sonhos, somos tão impotentes contra essas barbaridades de quem não sabe sonhar, nem sequer o significado do verbo AMAR.
Um beijo querido
Anna

09:59  
Blogger anouska said...

eu também não entendo, paulo e entendo muito menos gente como o jornalista inglês christopher hitchens que usou sua fala na FLIP para defender os ataques e atacar grosseiramente quem se posicionou contra os mesmos. depois dizem que brasileiro é que não tem educação. será que a rainha sabe o que esse seu súdito anda fazendo? em tempo: texto muito lúcido, como sempre.

16:36  

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