1.6.06

Seção diálogos: Da importância de conduzir o pensamento alheio

Uma praia escaldante, dia ensolarado, o mar verde rugindo um pouco adiante. Crianças correm pra lá e pra cá com suas risadas características, fazem castelos de areia e pedem picolé para as mães. Casais sarados se exibem jogando frescobol, e se ninguém olha, acertam a bolinha na cabeça de alguma senhora que tenta manter a forma passeando a beira-mar. Duas pessoas vão juntas à praia, sem guarda-sol, sem toalha, sem nada. De preferência, uma delas deve ser mais robusta que a outra. A que não é robusta se deita para ler um livro, a outra fica de pé olhando as ilhas à distância. Após um tempo indeterminável:

Pessoa deitada: Ô fulano(a)!
Pessoa em pé (toma um susto): Hm?
Pessoa deitada: Não quer ficar ali na frente? Preciso de sombra.
Pessoa em pé: Tá pensando que eu sou seu(sua) escravo(a)?! Que negócio é esse de ficar dando ordens?!
Pessoa deitada: Puxa, desculpa, eu só pensei que você vai ficar parada aí... podia ficar um pouco mais pra lá...
Pessoa em pé: Mas você é muito folgado(a) mesmo, hein!

Cena 2: Tudo exatamente igual. Só o diálogo é diferente:

PD: Fulaninho(a)?
PP: Sim?
PD: O que você está fazendo?
PP: Nada.
PD: Nada?
PP: Estou olhando o mar... as ilhas... contemplando tudo isso... é bonito... e pensando na vida...
PD: Você pretende fazer isso por muito tempo?
PP: Pode ser, não sei.
PD: E faz diferença exatamente onde você está parado(a)?
PP: Não, na verdade, não.
PD: Você se importaria de ficar parado exatamente como você está, fazendo exatamente o que você está fazendo, só que em vez de aí onde você está, um pouco mais pra cá?
PP: Ah, eu estou te atrapalhando?
PD: Não, imagina. É só que eu queria um pouco de sombra.
PP: Ah, claro, como não?

Esse é um exemplo clássico, ligeiramente modificado por mim, de como a maneira como você faz e diz as coisas é fundamental para atingir seus objetivos. Vamos analisar um caso mais concreto.

Geraldo Alckmin, candidato a presidente pelo PSDB, declarou ontem que o governo Lula foi um "período das trevas". Período das trevas?! A quem ele espera atingir com essa expressão? Aliás, o que ele espera atingir com ela? Quantos votos ele espera ganhar?

Essa é provavelmente a crítica mais inócua que já se fez a um governo. Isso se não for contraproducente. Embora o governo Lula seja marcado por corrupção, um desempenho econômico aquém do esperado, stalinismo mal disfarçado, gafes presidenciais e assim por diante, quantas pessoas no Brasil têm a impressão de que foi um "período das trevas"? E que trevas são essas? Trevas demoníacas? Menos, governador. Trevas medievais? Que-isso, governador!

Com esse tipo de declaração, espero que o picolé de xuxu light não esteja pensando em realmente GANHAR uma eleição...

Ah, lembrei: talvez ele quisesse fazer um paralelo com a idéia que o PT vive propalando, de "herança maldita" do governo FHC. OK, discordamos que haja uma herança maldita. Mesmo assim, somos forçados a admitir que EXISTIA uma percepção dessa tal herança. Por mais ficcional que ela fosse, estava na cabeça do brasileiro de maneira generalizada e é como se existisse de fato. O efeito era fortíssimo e fazia sentido para muita gente no país. Ao contrário de "período das trevas", que só faz sentido pra quem joga RPG ou lê "Senhor dos Anéis".

1 Comments:

Blogger Bela said...

... ou pra quem é do Opus Dei...
Gostei daqui.
voltarei.
beijo

23:27  

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