14.1.08

Os bombons de quarta-feira


Na primeira, primeiríssima vez, você já acertou. Com louvor. Trouxe bombons pra mim, justamente dos que mais gosto. Logo concluí que deveria te segurar de todo jeito. Virou minha meta e minha fixação. Enquanto viessem os bombons, eu não veria motivo pra sugerir um divórcio, insinuar uma gravidez, ter crises de ciúme. Os bombons foram seu salvo-conduto.

A semana inteira, eu esperava as quartas-feiras, em que soaria o interfone esganiçado e você subiria. Você, seu terno riscado e minha caixa de bombons. Eu atravessava a sala aos pinotes, abria a porta e pulava no seu pescoço. Eu gargalhava. Você só fazia charme. Sorria com o canto da boca. Eu ficava ansiosa e deixava aflorar meu lado cocote, normalmente tão bem escondido. Então, eu arrancava o pacote que você trazia debaixo do braço, rasgava o papel e me atirava no sofá.

Você vinha lentamente, tirando o paletó, enquanto eu enfiava os dentes no recheio. Era doce, escorria pelos lábios. Eu fazia biquinho pra parecer sexy. Quando sentia o gosto do licor, sacudia a cabeça como uma idiotinha. Até que você chegava, quente e descontrolado. Pronto, eu te abraçava com minhas pernas firmes, minhas pernas de bailarina (meu orgulho particular, você sabe).

Se você sufocasse, azar. Mas nunca aconteceu. Meus músculos te apertavam e prendiam durante horas. Até você admitir que não agüentava mais, dizendo que era hora de ir embora. Um beijo de despedida, um banho quente. De roupão, eu me largava na frente da TV com o que sobrava dos bombons. Eles não duravam mais do que uma noite. E eu ficava pensando que você deveria vir mais vezes.

Sim, descontrolada, sim, sim. Fiquei nervosa e irritada quando você veio apenas com o terno riscado, sem pacote debaixo do braço. A doceria fechou, você disse, como se fosse uma fatalidade e eu tivesse de me conformar. Pois sim. A doceria fechou e você não procurou outra, nem outra marca de bombons, nem outro sabor. Você não quis se dar a um pequeno trabalho por alguém que fez tanto sacrifício por você. Não trouxe nada, mas queria levar tudo.

Você se desculpou. Mas na mesma hora eu entendi o que você queria dizer. Entendi que você tinha feito sua escolha, e não nego sua razão. Já passei por isso. Sou cascuda, aprendi a levar foras com dignidade. Mas se te digo que sentirei mais saudades dos bombons que de você, não leve a mal. É um exagero. Uma flecha lançada contra o seu amor-próprio. Coisa de menininha.

Você nega que a decisão esteja tomada. Seu mentiroso. Eu disse que não precisava voltar sem presentinho. Sem presentinho, você não voltou, mesmo. Assim seja. Será que você não percebia que meus pinotes e risadinhas eram jogo de cena feminino? Agora, pode deixar. Eu compro meus próprios bombons, quando tiver vontade.

16 Comments:

Blogger Ricardo C. said...

Pinote, cocote, chocolates com licor... ninguém abaixo dos quarenta escreve essas palavras sentindo-se em casa. É preciso léguas de terra batida no currículo. E se aqui este não for o caso, tem alguém por aqui que conviveu com o avô, aquele para quem o francês era a língua dos intelectuais e da sedução.
Gostei muito!
Foram só umas observações meio bestas, enquanto retribuía a sua visita...

09:52  
Blogger Unknown said...

Simples e direto. Ótimo. Ilumina um ponto cego dos amores expressos. Ler os signos é uma arte em vias de extinção. Preferimos o conflito. Abraços.

12:51  
Blogger Anny said...

Gostei. Estou retribuindo a visita .
Já comentei aqui e disse gostar do seu jeito de escrever.
Abraço

19:16  
Blogger Olga de Mello said...

Menino, que escrita bonita que você tem...

14:32  
Blogger fjunior said...

"Não trouxe nada, mas queria levar tudo."
este é muita vezes o resumo do amor...

adorei o texto...

00:10  
Blogger Osc@r Luiz said...

Não é preguiça, é falta de talento. Mas como talento está sobrando na rede, acho que o meu não faz falta a ninguém.
Assim, me contento em postar o dos outros.
Da última vez que estive aqui, há uns sete ou oito meses, boas perspectivas se abriam pra você em Paris. Nunca soube o desfecho e nunca nem me visitou pra contar. Espero que esteja tudo bem, e que 2008 seja "o ano"!
Um abraço.

02:57  
Blogger Mike said...

Independência forçada...
Independência conquistada!!!

Pra não dizer que a atração pela caixa de bombons escondia um amor pelo ato em si... da lembrança da segurança e do prazer sexual, saboroso e fugaz como chocolate.

12:18  
Blogger Stelios Frang said...

Χαιρετισμούς από την Αθήνα
Greetings from Athens, Greece

15:28  
Blogger Thiago Lira said...

Agora me diz porque eu fiquei com ódio dela?
rs*
Gorda maldita!

Belo texto meu.
Muito bom mesmo.

16:47  
Blogger Lia Drumond said...

Eu amei!

17:00  
Blogger Elton Pinheiro said...

Vim agradecer pelo elogio,..

Reparei na dicção da tua escrita desmontando a deliciosa histeria da moça das pernas, a bailarina. Texto em tudo supremo, desde o primeiro parágrafo, que já o define.

Digo o mesmo: "leitores" assim raramente se encontra na internet.

18:36  
Blogger ítalo puccini said...

Retribuindo a visita e o belo comentário ao meu texto. Obrigado.

Gostei muito dos seus escritos. Propiciam uma leitura maravilhosa de se fazer. Parabéns! Passarei aqui mais vezes.

abraços,
Ítalo.

PS: como encontrou meu blog?

20:27  
Blogger Cláudio B. Carlos said...

Muito bom, mesmo. Concordo com Ricardo: que currículo! Hehehehe.
Abraços do *CC*

20:59  
Anonymous Anônimo said...

Primeiramente, gostaria de agradecer a visita lá no Fanny in Box.

Adorei o conto, adoro mulheres em sua essência forte e complicada.

Belo texto.

Abraço

23:46  
Blogger Unknown said...

Me diverti com seu texto!
Parabéns!

13:46  
Blogger Milena Magalhães said...

Ué, tem dois lugares de comentar? Repito: bom descobrir teu lugar!

00:50  

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