12.9.07

Para falar das flores


Tentamos várias vezes enfeitar a casa colocando flores no balcão da janela. Da primeira, era inverno, as folhas enclausuradas na sala não tinham acesso ao sol e murcharam, entre suspiros, em menos de uma semana. Depois, já às portas da primavera, vieram as miniaturas de hortênsia a que já dediquei um texto. Essas também sofreram. Quando parecia que morreriam, a temperatura subiu de repente. Chegamos a acreditar que poderíamos salvá-las. Mas, um dia, simplesmente desapareceram. Não sei se foram lixeiros que as levaram, já imprestáveis, ou se alguém as roubou, aquelas pétalas encarquilhadas.

As flores que mais duraram nesta casa eram brancas e fartas. Durante os meses de abril e maio, acompanhei, com o prazer de uma criança, o seu ciclo de vida. O pólen que se oferecia às abelhas, a fecundação, a queda de pequenas esferas violáceas sobre a terra que eu molhava pela manhã. Compramos terra boa e novos vasos, esperando que, nos meses do verão, a planta se desenvolvesse ainda mais. Mas pedimos ajuda ao zelador do prédio (gardien, como se diz aqui), e ele nos fez o desfavor de cortar suas raízes e afogá-la como se fosse um arroz de pântano. Não demorou uma semana para que só restasse o caule endurecido, cercado de pétalas e folhas sem cor, largadas sobre a terra.

Em julho, recorremos novamente ao zelador, que passava diante da janela. Perguntamo-lhe que flores ele recomendava que comprássemos nessa época do ano. "Maintenant já est tarde", ele respondeu, em sua mistura toda particular de línguas, cortando nosso sonho de jardinagem, com o perdão do péssimo trocadilho, pela raiz. Dali a pouco já seria outono. Mais um pouco, e o inverno daria cabo das últimas esperanças botânicas nesta casa.

Quando criança, vivi num subúrbio de Washington D.C., capital de um certo império. Era pequeno, lembro-me de pouca coisa, mas jamais esquecerei da vez em que cometi a grande estupidez de plantar um pé de abóbora no quintal em pleno outono. Que trauma, a morte daquela planta que jamais dará frutos! E foi culpa minha. Sou um assassino, um aboboricida imperdoável. Nem deveria fazer essa confissão por aqui.

Por causa dessa triste lembrança de infância, quis seguir os conselhos do zelador. Mas estávamos às portas da liqüidação de verão, e, menos de uma semana mais tarde, Nicole chegou em casa com três pequenos vasos, comprados a preço de banana. Eram rosas, e cada vaso as tinha em uma cor: brancas, encarnadas, róseas. Era um risco que valia correr. Colocamo-las nos vasos que tínhamos comprado para as flores anteriores, com a terra de excelente qualidade que ainda não recebera vegetais. Regamos nossas roseiras, demos-lhes sol.

Mais uma vez, o desespero ameaçou nos atingir. As rosas também começaram a murchar, as pétalas se encurvavam para dentro, ameaçavam cair. Qual era o problema? Água demais? Sol demais? Um por um, os botões e as flores foram despencando. Enquanto trazíamos os vasos para dentro, e depois os levávamos para fora, na tentativa infrutífera de reverter o quadro, vimos nossas queridas se reduzirem a pequenos arbustos de folhas e espinhos. Nada mais. Como ficamos tristes, pelos céus! Difícil descrever.

Orgulho-me de não termos desistido. Podamos as folhas secas, continuamos a regar a terra, deixamos ao sol aquele ser vivo que deveria ter outras cores, além do verde. Passaram-se muitos dias até que eu pudesse divisar uma recompensa: havia folhas novas, mesmo galhos inteiros, que brotavam de onde antes não havia nada. Mais verdes do que as antigas, essas folhas simbolizavam a esperança de uma ressurreição.

E foi o que aconteceu. Na roseira branca, dois caules mais compridos se destacaram do mar de folhas. Criaram botões. Surgiram alguns nas outras duas roseiras, também. Quando a primeira flor se abriu, brindamos com vinho ao sucesso que demorou um ano a chegar, mas veio, finalmente. Enquanto escrevo, olho para elas, através do vidro. Apenas uma flor já se abriu. Branca. Duas outras preparam sua estréia gloriosa, uma da mesma cor, a outra vermelha. No mais, posso contar seis botões fechados. Começo a compreender o prazer da jardinagem, esse passa-tempo que tanta paciência exige, tanto carinho, tanto silêncio. Sinto-me como um tolo a comparar a planta que vejo hoje com a memória que tenho dela ontem. Já tão diferente, e fingia estar parada! A flora é misteriosa, é mágica, eu não a compreendo e só me é permitido admirar.

Não sei mais quanto tempo durarão essas flores que se abriram no outono. Quando virá a primeira onda de frio que as exterminará? Espero que demore. Espero que, trazendo-as para dentro, consiga dar-lhes mais alguns dias, quiçá semanas, de sobrevida. E, que tristeza! Não tenho mais minha Furreca, para registrar esses instantes de alegria humilde.

8 Comments:

Blogger Vica said...

Que linda foto!!! Obrigada pela visita! Pois é, as roupas andam muito caras e é por isso que vou partir para coisas alternativas e personalizadas.

18:07  
Blogger Silvia Regina Angerami Rodrigues said...

Hj eu me lembrei de um amigo chamado Nei que dava a oportunidade a toda semente de germinar (ele as jogava na terra). Simples, mas sincero.

19:15  
Blogger tina oiticica harris said...

cara, jamais imaginaria que teu blog é formatado assim.

23:47  
Anonymous Anônimo said...

Para o inverno, narcisos. Têm o cheiro forte.
Fala sério, você mudou o layout, passou para MT, o texto vem aqui em baixo, eu achei que era probema e não era?

Que falta de comunicação! O meufeed vem assim também?

bom, bem, fico contente de ter alguém na cachaça da jardinagem também.

12:37  
Blogger Menina Marota said...

Em qualquer estação há flores... que precisam ser mimadas e regadas, nem muito, nem pouco.
A dose certa, é como tudo na Vida...

Tenho sempre a minha casa cheia de flores, adoro os seus cheiros e coloridos.

Gostei das tuas flores...

Um abraço carinhoso e bom fim de semana ;))

(os linkes de referência, dão erro, não abrem as páginas)

13:04  
Blogger digo said...

É uma alegria humilde, meu caro, mas inestimável. Que belo texto!

16:58  
Blogger Ilis said...

Boa sorte com as rosas. Eu, que, em vez do dedo verde, tenho o dedo podre, também já matei (involuntariamente) tantas plantas que poderia ser uma das acusadas do aquecimento global.
Agora comprei umas mudas de orquídeas... Por enquanto, tudo sob controle.
:)

07:50  
Blogger ninguém said...

nunca abri mmão de plantas, mesmo quando deixei casas com quintal e vim para apartamentos.muitas vezes sofri a mesma decepção de vocês. Hoje, tenho um jasmineiro subindo pela grade e vários cactos florescendo junto às janelas.
Não desistam delas que elas não vao desistir de vocês.
Bisous

23:02  

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