10.10.06


Sucesso! Nunca me senti tão triunfal como no dia em que abri o notebook em que ora trabalho, vi seu teclado e pude constatar que, sim, de fato, graças a Deus: é do chamado QWERTY*. Traduzindo: é um teclado decente.

A história é bem mais longa que isso, claro. Antes de mais nada, não quero ofender os usuários do famigerado teclado AZERTY, ou, em outras palavras, os franceses. Mas quero, e vou, fazer uma reclamação: uma coisa é não gostar de falar inglês nem com turistas (o que resulta em vendas não finalizadas e negócios não fechados, mas e daí?, é a defesa do orgulho nacional); outra completamente diferente é não permitir aos falantes de outras línguas que as usem para comunicar-se através dos computadores do país. Exatamente: no teclado francês simplesmente não há a opção de acentos que não existam no francês (ou seja: á, í, ó, ú etc.), e não se pode acentuar as maiúsculas, nem colocar cedilha, nem nada. Desculpe, mas isso já passa dos limites do bom senso. Até os teclados americanos / britânicos permitem o uso de acentos, isso porque o inglês é uma língua de que eles estão de todo ausentes.

No francês...

Tudo bem, não vai ser isso a deteriorar minha relação com esse país tão cheio de coisas interessantes, como por exemplo a garrafa de vinho delicioso que comprei por pouco mais de cinco reais (outra melhor ainda custou onze, mas era um festival com descontos). Vamos então à minha saga em busca de um computador com que pudesse postar no blog, mandar textos para o Brasil, trabalhar, enfim... tudo.

Pois logo que cheguei no aeroporto Charles de Gaulle, cheio de malas e casacos que não usei porque ainda era verão, mas tive que carregar do mesmo jeito, quis avisar à família e aos amigos que tudo tinha corrido bem. Quase morto de cansaço e falta de alimentação (esses aviões são dose!), encontrei um cybercafé e... ei-lo, o maldito teclado. Logo percebi que isso seria um problema. Por aqui, quinze minutos de internet custam entre 1,50 e 2 €. Digitando devagarzinho, como é possível nesses malditos teclados, pode contabilizar nisso o seu salário da vida toda, aquele mesmo que você poupou durante anos para conseguir pagar um aluguel europeu (tema para outro capítulo).

Agora vamos supor, por outro lado, que você seja jornalista, publicitário, sei lá, qualquer profissão que lide majoritariamente com texto. Nesse caso, você está em péssimos lençóis. Como mandar uma matéria para o Brasil completamente sem acentuação, como o post anterior? Nem pensar. Solução? Desembolsar mais alguns meses daquele tal salário suado e comprar um notebook. Você, pobre Zé Mané recém-chegado do Terceiro Mundo, ainda pensa com seus próprios ingênuos botões: “Isto aqui é Paris! Cidade chique, elegante, cosmopolita, em que se anda no metrô ouvindo ao mesmo tempo duas dúzias de línguas, sem contar o francês, que é óbvio, o português que você mesmo está falando dentro de sua cabeça e o inglês da turistada. É evidente que neste naco tão fabuloso do planeta é possível encontrar qualquer coisa, a começar por um teclado não AZERTY, ou seja, usado em qualquer país que não seja a França, parte da Bélgica, parte da Suíça e possivelmente algumas ex-colônias dos gauleses" (longo raciocínio, hein!).

Meu amigo, você está errado. Mesmo nos piores muquifos, naquilo que a França tem de mais recôndito e, do ponto de vista deles, vergonhoso, nada feito. A resposta é invariável: "Impossível na França. Compre pela internet". Como, internet?, sem computador? Mais: mesmo na rede, cada vez que você entra no site de alguma fábrica e indica seu endereço neste país hexagonal, seu pedido é transferido para a subsidiária daqui. De fato: impossível.

Mas estamos na Europa. Sempre é possível encontrar soluções. Primeiro projeto maluco: tomar um trem até Londres e comprar in loco. Segundo projeto: A Alemanha é mais perto. Qual é a primeira parada do trem em território tedesco? Vou até lá e compro. Terceiro projeto: no metrô, dezenas de cartazes anunciam viagens com descontos aparentemente imperdíveis. Uma delas: Porto, em terras lusitanas, e portanto obviamente lusófonas (a não ser que a loucura do mundo já tenha chegado a níveis indigitados, o que, pensando bem, não seria tão surpreendente). 25 € a passagem. Por que não?

De repente, uma mensagem no orkut. A prima da namorada, que mora em Madri, vem passar o fim-de-semana conosco. Resposta rápida: "como é o teclado espanhol? Se for QWERTY (é claro que é, só os franceses pra inventar qualquer coisa diferente disso), por favor compre um baratinho para mim! Eu pago!" E finalmente: sim, é QWERTY. Ela compra o mais barato na loja em que confia e o traz. Pago em espécie. Setecentos euros no bolso andando pelo metrô de Paris não é a experiência mais tranqüila do mundo, mas, ora, para quem já andou com vinte reais na estação da Sé, nada que meta muito medo.

Hoje, finalmente, tenho acesso à internet em casa, tenho um programa (Open Office, bem bacana) que substitui o Word perfeitamente (aqui, ó, Microsoft!), posso falar com a minha família pelo Skype (aqui, ó, companhias telefônicas!), assim por diante. Sou uma pessoa normal, que digita sem olhar para o teclado. Mas durante três semanas eu andei de um lado para outro de Paris (foi bom para conhecer a cidade), conversei com coreanos, argelinos, marroquinos, brasileiros e toda sorte de nacionalidade esquisita, tudo em busca de um maldito teclado. E finalmente consegui.

A propósito, pior do que ter 700 € no bolso no metrô é saracotear por aí com uma caixa gigantesca de computador debaixo do braço. Mas para quem já andou com uma caixa de sapato (vazia) na estação Paraíso, fichinha!, nada que meta muito medo.

* QWERTY, a propósito, são as seis primeiras letras da primeira linha do computador. Q - W - E - R - T - Y.

7 Comments:

Anonymous Anônimo said...

E eu que achei que tinha problemas com meu computador alemão... kakakakakakakakakakakakakaka... Agora me conta, como é esse office? Estou precisando de um e juro que me encontro a poucas gotas de transbordar e passar o endereço do Bill para o Bin laden. Uma bombinha na maior companhia de software americana seria um trunfo para ele, e talvez para nós.

15:52  
Blogger Leila Andrade said...

Oi Paulo, delicada foi sua presença no meu canto, volta, volta sempre.
Gostei daqui também.
Beijo.

21:51  
Blogger Mr. Somebody said...

O meu é QWERTY!!!
Cara, que aperto, mas ainda bem que deu tudo certo. E ai, a frança é legal? Se tiver oportunidade, um dia, vou conhecê-la.

Fico feliz em saber que você passou no meu blog para me intimar a postar. É mesmo difícil mantê-lo sempre atualizado. Mas saiba que vc ajudou, mesmo sem saber, pois o seu blog foi um dos quais passei na minha tragetória que despertou a vontade de postar outra vez, e, foi um dos principais, pois ao vê-lo retornar, tive vontade de fazer igual.

Abs ;)

00:40  
Anonymous Anônimo said...

Faltou falar que o OpenOffice foi uma recomendação minha, né ? :P

03:33  
Anonymous Anônimo said...

Eba!!!!!! Paulo Osrevni de volta!!!!! Que ótima notícia... Adorei a saga da sua busca pelo computador. Vai postar todo dias agora?
Abçs

11:25  
Blogger i said...

Desculpa, Oraco! Falha imperdoável!

00:59  
Anonymous Anônimo said...

Paulo! Paulo!
Vc me fez lembrar q minha tão sonha viagem à Paris, o quanto sofri para comprar um simples secador de cabelos, (risos). Foi hilário.
Bjux!

02:25  

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