30.7.07

Seção obituário: Ingmar Bergman (1918-2007)

Tinha planejado para hoje a publicação de um conto. Uma história triste, que contaria uma pequena tragédia ocorrida no bairro. Mas vou ser obrigado a passar por cima do relato. Hoje é dia de ressuscitar a mais pesarosa das seções deste blog (é verdade, houve um tempo em que eu discernia "seções" no blog). Hoje é dia de um dos meus obituários mais sentidos. Largou este planeta o gênio Ingmar Bergman.

Cheguei a crer que o cineasta sueco, cujo nome assina filmes como "O Sétimo Selo", "Gritos e Sussurros", "Morangos Silvestres", "Persona" e "O Ovo da Serpente" viveria para sempre. Eu sou assim, tendo a acreditar que a morte é apenas para os mortais, que os artistas divinos são eternos. É claro que isso é uma tolice. Mas Bergman, bem ao seu estilo, reforçava essa impressão. Aos 89 anos, com a energia que muito garoto não tem, ainda trabalhava. Lançou há poucos anos um filme para a televisão chamado "Sarabanda", com uma de suas ex-mulheres, e a mais conhecida de todas, Liv Ullmann, no papel principal. Era tão bom que foi parar nos cinemas.

Enquanto isso, o diretor continuava escrevendo para a televisão e o teatro. Da tela grande, para a qual havia produzido uma quarentena de obras, estava aposentado desde o início dos anos 80, quando deu por encerrada a produção de mais uma obra-prima. Era sua última, a colorida e auto-biográfica "Fanny e Alexander". Foi um fechamento, como dizem, com chave de ouro: em 1982, o filme recebeu o Oscar de melhor produção estrangeira (odeio essa categoria). Era o terceiro do diretor.

Tão interessante quanto seus filmes é a própria figura de Bergman. Era um artista, na mais alta expressão do conceito. Transformava seus dias, seus sonhos, emoções, medos e idéias, em roteiros e filmes. Escreveu vários livros sobre o próprio trabalho e a própria vida; não são textos auto-laudatórios, mas verdadeiras análises da gênese de uma obra de arte. Há poucos anos, talvez dois, um documentário mostrava o idoso Bergman na ilha em que vivia (Fårö, que significa ovelha), ainda anotando seus sonhos e fazendo listas dos demônios que o atormentavam.

Muitos de seus filmes devem ter nascido de listas assim. Discutiam, sem um pingo sequer de melodrama, os mais terríveis assuntos. Morte, solidão, guerra, doença, ciúmes. Eram filmes de uma austeridade que faz falta na cafonice que tomou de assalto as salas de projeção. Bergman era capaz de obter de seus atores as interpretações mais precisas. Não são raras as longas tomadas silenciosas e sem movimento, mas cujos sentido e sentimentos são tão perfeitamente compreensíveis que, se não prestarmos atenção, acreditaremos ter visto um filme inteiro, agitado e barulhento.

Foi certamente um dos maiores diretores da história; arriscaria mesmo dizer que foi o mais importante de todos. Seu trabalho incansável interagia constantemente com sua atuação como diretor e autor de teatro e televisão. Foi diretor do Teatro Nacional sueco, onde montou dezenas de textos do grande dramaturgo de seu país, August Strindberg. E, de fato, muitos de seus filmes eram transliterações de suas próprias peças ou, no sentido inverso, alguns de seus filmes foram levados para o palco. No Brasil, por exemplo, "Sonata de Outono", originalmente com Ingrid Bergman (sem parentesco) e Liv Ullmann, esteve em cartaz no Rio de Janeiro, com Marieta Severo e Andréa Beltrão.

Este texto foi escrito às pressas, para não deixar passar o impacto triste que sofri ao acordar e ler a notícia na internet. É apenas um obituário. Sentido, é verdade, mas factual. Bergman merece outros textos, sobre a impressão indelével de alguns de seus filmes sobre minha memória de cinéfilo, sobre a ilusão que um dia ele me causou de que eu mesmo poderia ser um cineasta (nunca o perdoarei), sobre as reflexões que sua obra suscitam em quem não vai ao cinema apenas para passar o tempo.

Esses textos virão, espero.

27.7.07

Sobre livros e leituras

Por ocasião do Dia do Escritor (que já passou, desculpem), o blogueiro André Gazola, lá de Porto Alegre, mandou uma série de perguntas para 16 blogueiros que ele lê regularmente. Para minha enorme alegria, eu sou um deles. Confesso que demorei à beça para mandar as respostas, mas aqui estão elas. Foi um prazer respondê-las. Obrigado, André, continue seu bom trabalho no lendo.org!

1. Que livro você está lendo?

Difícil dizer... Com regularidade, ou seja, pra ler do começo ao fim, ataquei agora Le Côté de Guermantes, do Proust. Mas isso não quer dizer que não vou ler outras coisas no meio disso. Minha vida de leitor é uma bagunça, mas não é culpa minha. É uma conspiração dos céus contra mim.

2. Lembra do seu primeiro livro?

Perfeitamente, mas não lembro o nome! Ele existe até hoje, na casa da minha mãe, guardado no vão de um banco que chamamos candidamente de "museu". Era sobre um garotinho, por sinal muito parecido comigo, que tinha um aviãozinho de brinquedo (eu adorava aviões). Um dia, ele perde seu brinquedinho, e acaba encontrando um outro avião, idêntico, mas muito (MUITO) maior, todo escangalhado, e começa a chorar. Desse avião (MUITO) maior, sai um piloto, que o consola, mostrando que seu avião de brinquedo está preso na árvore. Simpático, não? Se alguém reconhecer a história e souber como se chama o livro, por favor, mande um e-mail.

3. No Brasil, sabemos que a leitura não é um hábito da população em geral. Quantos livros, em média, você lê por mês?

Não faço idéia. Acho que quem se preocupa com isso deveria trabalhar com balanços contábeis, não com livros. Como filósofo, leio muitos trechos de livros, artigos, obras inteiras e assim por diante. Depois, releio, releio e releio. Alguns mais, alguns menos, alguns jamais. Sabe Deus quanto isso dá num mês... E ainda tem os livros de ficção que vou lendo quando dá. Só sei que as prateleiras estão vergando.

4. Você tem um gênero favorito? Qual?

Não... gênero, não. Gosto de texto bom e significativo, do gênero que for, o que exclui alguns autores que colocam muita gente de joelhos.

5. Alguns escritores, além de grandes artistas, são vistos como “seres superiores” por alguns leitores. Você tem ídolos escritores? Quais?

Seres superiores? Credo, rapaz! Tenho ídolos escritores, mas também tenho ídolos jogadores de futebol, e a única coisa em que os considero superiores a mim é no rendimento mensal. Bom, fora o fôlego, claro. Quanto aos escritores que admiro muito estão Nelson Rodrigues, Proust, Daniel Defoe e Rubem Fonseca.

6. Você distingue o escritor pelo gênero - poesia, conto, romance etc. - ou acredita que escritor é escritor e ponto?

A pergunta é boa porque expõe alguns hábitos de discurso. Se o sujeito faz praticamente só poemas, chamo de "poeta". Se fazia alguns poemas (ou nenhum) e muitos contos/romances, chamo de "escritor". Se era um "escritor" que fazia muitos, muitos contos, chamo de "contista". Se o grosso da sua obra é composto de peças de teatro, chamo de "dramaturgo". E assim por diante. Naturalmente, um sujeito como Tchekhov, cujas peças são divinas e cujos contos estão acima do divino, acaba virando "contista e dramaturgo". Chocho, não? No fundo, é uma questão de nomenclatura. Um jornalista é "escritor"? Um historiador, um filósofo, um jurista, um orador? Ruy Castro é "escritor"? E Ingmar Bergman? Sartre era? E Milton Santos? Júlio César? Péricles? Voltaire? Rousseau? Hegel? Marx tinha um estilo poderosíssimo, mas nunca contou historinhas. Era "escritor"?

7. A internet pode se transformar em uma ameaça para a leitura de livros?

Tanto quanto os livros foram uma ameaça para a leitura de pergaminhos.Você sente falta dos pergaminhos? Pior é pensar: será que a internet vai ser uma ameaça para a leitura em geral? Acho que não. Que é o meio perfeito para fazer a estupidez sair de seus guetos, não tenho dúvida. Por outro lado, também é um bom caminho para a inteligência respirar um pouco. Vamos ver o que vai acontecer...

8. Se você pudesse, como acabaria com o analfabetismo no Brasil e como implantaria o hábito de leitura?

Não sei como responder essa pergunta sem fazer um enorme manifesto político. Eu poderia dizer que é necessário investir em leitura dentro das escolas, desde o início. Mas, para isso, seria necessário subverter toda a estrutura social do Brasil. Esse país que escolheu, desde o Convênio de Taubaté, em papel passado, reconhecido em cartório, ser um enorme latifúndio. Essa estrutura pressupõe o analfabetismo. Para erradicá-lo, primeiro é necessário revogar o "convênio de Taubaté" que existe dentro de cada um de nós. Daí para o hábito de leitura, é um pulo.

9. José Saramago declarou recentemente que sempre será comunista, embora saiba que este é um assunto ultrapassado. Um escritor deve manter para sempre seus valores, ou pode mudar de opinião?

Um escritor deve ser fiel às suas posições tanto quanto um sociólogo ou um torneiro mecânico.

10. Uma frase para o Dia do Escritor:

Vai uma estrofe:

Orgulho, hipocrisia, vaidade
E nada mais
São três coisas
Que em menos de um segundo se desfaz.

Paulo Benjamin de Oliveira
(Paulo da Portela : 1901-1949)

24.7.07

O princípio Asterix

Em nove de dez oportunidades, a ciranda da burocracia leva a melhor sobre mim. Cada vez que me vejo regurgitando fotocópias de meus documentos, cada vez que me obrigam a copiar números de 43 dígitos ou me reconduzem ao guichê tal, tenho ganas de atear fogo ao Louvre. Por isso, na mais que excepcional décima ocasião, ou seja, aquela em que consigo vencer o inimigo invisível, é minha obrigação erguer o punho, bater no peito, me vangloriar até ficar rouco e, de quebra, pagar uma rodada para todos os leitores.

Pois foi o que aconteceu na manhã desta segunda-feira, debaixo de uma chuva ardilosa, na sede da lustrosa e capenga Sorbonne. Não me contenho, tenho de dizer: vinguei-me! Fiz meu gol de honra! A temível, a imbatível Administration Française já cansou de me assoberbar com seus dossiês e procedimentos; mas hoje, enfim!, enganei-a e, uma vez na vida, pisei no peito do império do papel.

Como consegui? Talvez não devesse contar, mas seria de uma crueldade terrível para com aqueles que quiserem, no futuro, aventurar-se pela mesma floresta escura. Minha arma secreta e infalível é o dito "princípio Asterix". Pois foi o intrépido herói gaulês de Uderzo e Goscinny que desenvolveu a técnica que me levou à vitória. Só isso já deveria lhe valer o título de general, nessa guerra chamada vida civil gálica. Vamos à narrativa.

Devo lembrar que, no hemisfério Norte, a temporada de estudos e esportes começa em setembro/outubro e termina em junho. Pois, sendo julho, já era hora de inscrever-se no ano superior. Mas como isso é feito? O procedimento não está descrito em lugar algum. Telefonei para a secretaria e fui atendido por uma senhora de delicadeza tipicamente francesa, ou seja, nenhuma. "Procure na internet!", ela vociferou. "Você procurou na internet?"

Na internet, hélas! Lá vou eu, enfiar o nariz na página da universidade. Indecifrável, como sói na França. E o que me espera? A página não pode ser encontrada. Está fora do ar. Um, dois, três dias. Mais um telefonema para a secretaria: "Na internet!" "Está fora do ar." Um silêncio, e depois: "É verdade. Que pena. Aguarde o retorno. A inscrição é pela internet."

Pois sim. Avancemos no tempo: certo dia, a página renasceu, como uma Fênix online. Finalmente, posso me inscrever. Após quinze minutos de números e dados, a tela informa: "Sua inscrição está registrada e à espera do pagamento." Pagamento? Quanto? Onde pago? Ninguém sabe, ninguém viu. Solução? Mais um telefonema. "Procure na internet!" Já esperava ouvir algo assim. "Mande voltar as telas. O valor está informado." Volto as telas. Nada está informado, senão que minha inscrição está registrada. À espera do pagamento.

Uma mudança de estratégia se faz urgente. Decido tomar a ofensiva. Armo-me de toda a papelada que Deus me deu e avanço pelo metrô até a suntuosa sede, com seus painéis de Henri Martin. Bato à porta da secretaria. Entro. Sou recebido por uma jovem sorridente. Faço minhas perguntas. A resposta é ainda mais aterradora do que as etapas precedentes. Diz ela que devo enfiar a papelada em um envelope e depositá-lo numa urna, diante da porta. E o pagamento? O cheque também vai dentro do envelope. A carteira chegará pelo correio.

Berro para mim mesmo: Jamais! Tenho a convicção de que esse sistema é feito para falhar. Não me darão nem um recibo? Procedo a um recuo estratégico. Mais um telefonema. Desta vez, nada de internet. "Mande o cheque pelo correio." E a carteira? "Você vem buscar aqui." Uma luz vermelha se acende. Mas e a papelada? Como fica a papelada?

É hora de mais uma ofensiva. Com todas as armas. E é hora de pôr em ação o "princípio Asterix". Desço novamente à universidade. Sorrateiro, passo por todos os guichês como se não fosse comigo. Sinto-me um Agente 86 de tênis furado. Atravesso a última porta e invado a tesouraria. Os rapazes conversam sobre Playstation e Nintendo. Alvos fáceis.

Anuncio meu propósito. Pagar a inscrição. Entrego a carteira do ano anterior. Pedem a papelada. Entrego-a. Mas não são esses, os papéis que querem. Tudo bem. Está nos planos. "Isso era na etapa anterior", adverte o rapaz. "Mandaram-me diretamente para cá", respondo. Ele quase entra em parafuso. Lança um olhar furtivo para os demais, que tampouco encontram explicação. Estou quieto, sentado na cadeira que ele me indicou, com o ar mais inocente do mundo. Pobre estrangeiro! Não entende nossa língua direito, não conhece os meandros de nossos corredores. Ajudemo-lo!

O rapaz se levanta e me diz de esperar. Com prazer, meu caro. Com prazer. Dito e feito! Poucos minutos mais tarde, ei-lo que volta. Sem a papelada. Vitória! Ele se senta, digita umas poucas tolices, pede meu cartão e faz a cobrança. Não dá mais um quarto de hora, tenho em mãos minha carteira, meu comprovante, meu documento de Seguridade Social. Finalmente, meu Deus! Finalmente, fui mais esperto do que eles!

Abandono o edifício aos saltos, dançando e, literalmente, cantando na chuva, que só fez apertar enquanto eu dava meus dribles nos burocratas universitários. Superei a primeira etapa, nessa maratona administrativa que serão os próximos três meses. Falta apenas mais uma meia-dúzia. Não faz mal. Estou preparado, armado até os dentes. Quanto ao brilhante Asterix, sou todo agradecimentos. Pois foi assistindo ao vídeo abaixo que aprendi a demolir a "maison qui rend fou". (Infelizmente, só consegui encontrar em inglês...)

20.7.07

A derrota é uma vitória mal contada

Não será por causa da decadência geopolítica, da aniquilação cultural ou do sufocamento econômico que a velha França deixará de manter seu indefectível nariz empinado. Quando o assunto é salvaguardar a fleugma que constitui o cerne da identidade nacional, não se pode medir esforços. Verdadeiras guerras podem ser deflagradas em nome dessa imprescindível arrogância. E, como sentenciou o sábio Hiram Johnson, em tempos de guerra, a primeira vítima é a verdade. Os franceses, quem já lutou contra eles pode confirmar, não conhecem a misericórdia.

A mais recente vítima atende pelo nome de Piotr Ilitch Tchaikovski, o compositor russo de "O quebra-nozes", "Capriccio Italien", "Romeu e Julieta" e a "Abertura 1812". Esta última é minha preferida. Dura quase 16 minutos e conta a história daquilo que os russos chamam de Guerra Patriótica. Ou seja, a campanha russa de Napoleão, chamado até hoje de "imperador Napoleão I" pelos franceses. Foi, claro, em 1812. É fantástico como todos os detalhes podem ser ouvidos na música. Está presente a invasão (em junho) dos quase 700 mil homens que formavam o maior exército jamais montado, até então invicto. Em acordes tristes, lânguidos, são narradas as vitórias iniciais da "Grande Armée" de Napoleão. À medida que os franceses avançam, a Marselhesa se eleva por detrás das tropas e as empurra para mais uma vitória fácil e gloriosa.

Acontece que "1812" celebra um triunfo russo, não francês. A "Grande Armée" ganhava terreno com facilidade, mas não havia batalhas. Os exércitos do czar batiam em retirada, deixando para trás um enorme país arrasado, incinerado, calcinado, de que os soldados invasores não podiam arrancar nem uma mísera batata. O enfrentamento só se deu em 7 de setembro, na batalha de Borodino. Ao final, não havia um vencedor. Mas havia 100 mil mortos.

As escaramuças estão descritas em detalhe na composição de Tchaikovski. Com canhões, carrilhões, o hino francês e temas russos. Após a carnificina, Moscou estava aberta para as tropas napoleônicas. O czar Alexandre I havia batido em retirada. O último grande baluarte da Europa continental parecia aos pés do maior guerreiro da era moderna. Mas, se os franceses estão dispostos a tudo para resguardar seu orgulho, os russos estão dispostos a muito mais por sua terra. Atearam fogo à própria capital e deixaram o inimigo privado de mantimentos, batendo em retirada às portas de um inverno tão rigoroso que mereceu a patente de general.

Foi o maior desastre militar francês. No caminho de volta, os soldados iam sendo abatidos pela fome, pelo frio e pelos ataques dos cossacos. Voltaram para casa apenas 70 mil homens. Um décimo dos que haviam entrado. A "Grande Armée" estava dizimada.

O final de "1812" reproduz a festa dos russos vitoriosos, salvos da invasão, heróicos, ébrios, triunfais. A peça foi executada pela primeira vez em 1882. Depois, tornou-se uma das composições mais interpretadas no mundo.

É, afinal, a maior das peças patrióticas. E o 14 de julho, data nacional francesa, acabou de passar. Como todo ano, houve dezenas de celebrações; umas interessantes, outras cafonas. Uma delas foi, justamente, um concerto de músicas patrióticas, com obviedades como "Pompa e Circunstância", de Elgar, e coisas divertidas, como a marcha "Liberty Bell", de John Philip Sousa, mais famosa como o tema do "Monty Python's Flying Circus". Mas o fechamento, como sempre, foi a "Abertura 1812". Nada mais natural, a não ser pelo texto de apresentação. Segundo a interpretação francesa, "a obra foi composta em comemoração aos 30 anos de reinado do czar Alexandre I." Mas o que estariam fazendo trechos da Marselhesa nessa peça? Boa pergunta, que o texto tenta responder: "Sentiu falta da Marselhesa? Pois apure os ouvidos, e você a escutará, avançando com a bandeira tricolor!"

Que importa se a bandeira foi destroçada, junto com os exércitos que a carregavam? Nada. Fidelidade aos fatos é conversa de perdedores. Para os franceses, não será torturando-se pelas humilhações do passado que o país se manterá rico, mais ou menos influente e razoavelmente forte. Ainda que a percepção da lenta derrocada esteja clara para todos, somente um olhar para as grandezas da história poderá incitar um novo crescimento. Escarrar sobre o próprio passado é a forma mais segura de repetir seus piores erros. O que pode esperar do futuro um país que não sabe honrar aqueles que o construíram, para o bem ou para o mal? Quem haverá de querer continuar a construí-lo? É mais provável que queiram dilapidá-lo.

17.7.07

Quando apagamos os amigos

Um dia, seremos nós. Fomos hoje à estação de Montparnasse, ao sul da cidade, para nos despedir de André. Ele tomou o trem para Portugal, de onde partirá seu vôo rumo ao Brasil. Ajudamo-lo a transportar as três malas pesadíssimas, carregadas de presentes e memórias do tempo em que esteve em Paris. Quando se fechou a porta do TGV, entendemos que era mais um nome a apagar da agenda, e menos um amigo para viver o dia-a-dia.

Não é o primeiro, claro. Já nos despedimos de Ricardo, que foi aprender, na Índia, técnicas de medicina oriental. Rafael e Sílvia retornaram a São Paulo, após vários meses saltitando de cidade em cidade da Europa. Caso parecido com o de Gabriel, o "Foca", que já estava para partir quando cheguei. Rita talvez nunca volte, Paula foi mergulhar em Honduras, Nuno foi cantar em Portugal, Janaína foi fazer suas peças à beira da Lagoa, Malú está na Argentina com seus ancestrais. Pessoas que víamos quase todo dia. Com quem tínhamos projetos conjuntos e uma realidade compartilhada, cujos números de telefone estavam gravados em nosso celular, cujos endereços conhecíamos de cor. Agora, esses números e nomes de rua nada dizem, e deverão ser apagados sumariamente, sob pena de uma nostalgia tão dolorosa quanto infrutífera.

Apagadas da agenda, é claro. Da memória, jamais.

Seria possível contar histórias de todas essas pessoas, mas o caso de André é mais gritante. Nos seis meses em que esteve na Europa, foi um dos amigos que chamamos de "filho". A outra é Marina, a pianista virtuose que seu primo, camarada nosso, nos encarregou de apoiar, e que também vai nos abandonar durante dois meses, enquanto visita a família verdadeira, em Brasília. André nunca foi, é claro, nosso filho, mas dormiu várias vezes em casa, e sua vinda à França não se realizou sem uma forte influência nossa. Originalmente, ele estava na Europa a trabalho; mais precisamente, em Portugal. Deslocou-se até Paris porque o incentivamos a buscar nesta cidade, em que já morou e pela qual se apaixonou, a realização de seu sonho de uma boa formação em direção teatral.

É quase certo, agora, que ele retorne no próximo ano, devidamente matriculado. Por enquanto, vale que ele esteve aqui para praticar seu francês e juntar algum dinheiro, de que precisará para reconstruir sua vida no Brasil e, mais tarde, estabelecer-se novamente nesta capital tão pitoresca. Não foi uma tarefa simples. Para conseguir o dinheiro, ele foi obrigado a passar o diabo. Trabalhou sob as ordens de um brasileiro de personalidade corrosiva e sádica, que, para sua mera diversão, encarregou-se de fazer um inferno da vida do subordinado.

Por pouco nosso amigo não abandonou tudo. Esteve à beira do esgotamento emocional, e nós acompanhávamos seu sofrimento tomados pela angústia, mas impotentes para arrancá-lo de sua situação terrível. Quem o fez, finalmente, foi o tempo. Terminado o prazo de seu visto, chegou o momento de tomar o caminho de casa. Nos últimos dias, o rosto do rapaz era a própria expressão do alívio. Ele aproveitou a liberdade e o dinheiro conquistado arduamente para passear pela cidade e visitar o que ela tem de melhor em termos de museus e casas de chocolate.

Sua história foi heróica. Deu-lhe a oportunidade de se revelar valoroso. Entreanto, ele não se orgulha das humilhações por que passou, afirma. Mas, com a distância que minha perspectiva me permite, creio que deveria orgulhar-se, pelo menos, da postura que sustentou.

A partida de André é mais uma volta que se fecha no ciclo da vida expatriada. Sua companhia é uma que não teremos mais, para os pique-niques à beira do Sena ou as tardes de domingo jogadas fora no parque Monceau. É estranha, a relação de amizade que se cria entre as pessoas temporariamente fora do país. Forte; estamos todos desenraizados, passamos todos por dificuldades práticas comuns que, em geral, desconhecíamos no Brasil. Mas fugaz, incerta, porque vivemos deslocados de nossa verdadeira vida. A qualquer momento, um laço inestimável pode ser cortado. E muitos o são. Constantemente.

André é o mais recente. Ainda não digerimos o fato de que não vamos mais convidá-lo para nada. Um dia, já imagino, alguém nos levará ao aeroporto, como nós levamos André à estação de trens. Haverá uma despedida emocionada, depois esse alguém apagará da memória do telefone nossos números parisienses, começados em 01, 06, 08.

O ciclo nunca se encerrará.

12.7.07

Buongiorno, Mediterrâneo!


Gênova foi a cidade que achei mais interessante na Itália. (Dentre as que conheci, é claro, o que exclui Nápoles, Palermo, Veneza e Milão.) Parem as máquinas! Então Gênova é mais interessante do que Florença e Roma? Num certo sentido, é. Florença está entregue aos vendilhões do templo, que transformaram uma das cidades mais determinantes da história do Ocidente numa espécie de Campos do Jordão internacional. Quanto a Roma, está sob o controle dos italianos, e não há paraíso terrestre que esse povo folclórico não consiga esculhambar.

Já a cidade de Colombo, pelo menos, parece estar livre dessas forças malignas. Quem se interessa pela Itália histórica, aquela que ofereceu ao mundo gente como Giotto, Michelangelo, Maquiavel e Dante, que abra mão da Florença que abrigou esses gênios, e tantos outros. Essa que, hoje, está assentada sobre o solo da Toscana, não é a mesma dos guelfos e dos Médici.

Quanto à velha Gênova, poucos passos levam da estação de trem aos becos medievais, escuros, que às vezes mal dão passagem a uma pessoa. Os edifícios centenários, coloridos, são pontilhados de afrescos religiosos e invariavelmente ligados por varais. Em quase todas as janelas, o azul e vermelho do Genoa, um dos clubes de futebol da cidade, o mais antigo do país, que acaba de retornar à primeira divisão do campeonato italiano.

O centro histórico é muito bem conservado, a não ser por um viaduto, já à beira do Mediterrâneo, que lembra muito o da Perimetral, no Rio de Janeiro. O antigo porto, das galés romanas e dos mercadores renascentistas, foi reformado, em projeto de Renzo Piano, o orgulho vivo da cidade. Um largo calçadão, com seus bancos de madeira em que descansam os idosos, proporciona aos genoveses seus passeios à beira-mar, tomando o gelato que só os italianos sabem fazer.

Nos bairros um pouco mais afastados, escondidos dos olhos de quem se interessa pela arquitetura histórica, os edifícios altos e modernosos parecem indicar que não apenas da memória de seus navegantes e exploradores vive o lugar. Renovado há pouco mais de uma década, o porto injetou na região um novo sangue econômico. É, em resumo, uma das cidades mais dinâmicas da Itália, no dizer de seus orgulhosos moradores.

A topografia de Gênova lembra a de Salvador: uma "cidade baixa", a antiga, numa faixa estreita entre o mar e as montanhas, e as casas que vão subindo as escarpas quase verticais. Não há um Elevador Lacerda, mas há muitos outros elevadores e funiculares que levam aos bairros mais elevados. Ao contrário da capital baiana, não são os excluídos e miseráveis que ocupam as encostas; muito pelo contrário, ali estão as maiores casas, os condomínios, os antigos palácios, que aproveitam ao máximo a paisagem deslumbrante. É como uma Santa Teresa antes das favelas, ainda que a vista não rivalize com o panorama da baía de Guanabara.

Lá de cima, pude me dar conta de que contemplava, pela primeira vez na vida, o Mediterrâneo. Uma constatação tola, talvez; mas não posso fazer nada, ela me atingiu. Água bonita, é verdade. Uma tonalidade diferente das que conheço, uma mistura indescritível de tons de azul e verde. Pela linha do horizonte, navios às centenas. Só então percebi a saudade que tinha de contemplar o mar, sentindo a brisa nas narinas e nas copas das árvores. Quanto tempo, pensei. Como é bom!

Quem poderia dizer, do alto dos morros de Gênova, que, por milênios, aquele mar foi o centro de gravidade da civilização ocidental? É o mar dos fenícios, dos gregos, dos cartagineses, dos romanos, dos sarracenos, venezianos e, claro, dos genoveses. Fiquei tentando imaginar, debaixo daquela água, os tantos navios afundados nas lutas em nome dos reis e imperadores de suas margens. Pensei nos corais de tantos séculos, acumulados, e no destino de tantos marinheiros afogados e insepultos.

Mas não consegui. Diante de mim, havia apenas um mar, ondejando em paz, ao sabor do vento e espatifando o brilho do sol. Na cidade, os genoveses levam suas vidas como qualquer habitante de Vitória, Cuiabá ou Blumenau. Pegam trânsito, trabalham, torcem para a Sampdoria ou o já mencionado Genoa. As marcas de tanto passado estão apenas nas antigas muralhas, em ruínas; nos becos tomados por lojas de paquistaneses e etíopes; nos museus da avenida Garibaldi, com obras de séculos de descobertas da sensibilidade artística.

Como não sou local, pude viver nessa adorável cidade um pouco do que é a Itália, em termos históricos. As igrejas medievais abertas, sem bilheteria, em que se podem descobrir tesouros que não estão nos guias turísticos. A população que dá informações sem esperar nada em troca. Os restaurantes que cobram apenas pelo que servem, sem estratagemas para tirar mais dinheiro de quem está pacificamente sentado à mesa.

Mal sabíamos, enquanto passeávamos à beira do Mediterrâneo genovês, tomando nosso sorvete de melão, que ainda havia muita Itália em nosso caminho.

7.7.07

A massa das lágrimas

É meio-dia, temperatura amena, ameaça chover em Turim. Estamos cansados, de pé desde as sete. Uma manhã inteira circulando a passo lento pelo centro antigo, debaixo das intermináveis arcadas que abrigam as calçadas e as mesas dos bares. São célebres, as arcadas de Turim. Honram, com sua beleza, o espírito estético que rende aos italianos sua boa fama. Dizem que Stendhal as detestava, Nietzsche as amava. Sinceramente, estou mais inclinado para a opinião do filósofo.

Com um olho nas antigas fachadas e o outro no céu a se acinzentar, escuto o desafio que minha namorada lança à Itália: "Pago para ver. Nunca vi nada de mais em massa. É só macarrão. O que pode ter de especial em macarrão? Agora que estamos no país da massa, quero tirar a prova dos nove". É uma alusão à conversa que tivemos na casa de um amigo, na noite anterior à nossa partida. Falando da Itália, a primeira coisa que lhe veio à memória foi uma pasta que provara em um conhecido restaurante de Roma. A mera reminiscência enchia seus olhos de lágrimas. Gaguejava, tentando descrever o sabor e a sensação. Mas era impossível, como ele repetia: "Não consigo descrever, não consigo descrever". E arrematou: "Só sei que, quando comi, chorei."

Vinda de alguém que não experimentou a fome, a idéia de chorar por um prato de comida me pareceu insólita. Hoje, posso ver que fui incrédulo como Tomé, ao que ele me respondeu lavando as mãos, como Pilatos. Minha namorada, mais que insólita, achou a idéia ridícula, farsesca, e a atribuiu a um espírito teatral um pouco exacerbado de nosso amigo. Ir às lágrimas por um macarrão, ora, vê se pode.

Mesmo assim, a confissão ficou impregnada em nossa fantasia. Por um lado, motivou o desafio à Itália. Por outro, fez-me pensar em alguns elementos da realidade gastronômica brasileira. O rodízio de carnes, particularmente: picanha na manteiga, maminha, cupim, alcatra. A fartura, o espetáculo de cores, o prato manchado de sangue, a algazarra. Essa saudade, sim, me enche de vontade de chorar.

Mas estamos em Turim, as churrascarias estão longe, a chuva vai tomando corpo e começa a se materializar. Sentindo os primeiros pingos, um grupo de adolescentes lança gritos estridentes em italiano e atravessa a rua saltitando. É inútil recorrer ao guarda-chuva para passear pela cidade. A água, grossa, vem acompanhada de vento forte. A única solução é se enfiar no primeiro restaurante. E temos sorte: logo adiante há um café que propõe um menu completo, com vinho e tudo, por um preço espantosamente acessível.

Entramos, sentamos à mesa, escolhemos o que vamos comer dentre a meia-dúzia de combinações possíveis. Vem o vinho, que não é ruim. Em que pese ser um café de esquina do centro, o lugar é simpático e bem decorado. A expectativa é baixa como o preço. A viagem se anuncia agradável.

Chegam os pratos, fumegantes. A fome não é pouca. Eu pedira penne; ela, nhoque. Ambos acompanhados de aspargos com queijo. Sorrimos e nos desejamos bom apetite. Tomamos os garfos e provamos a comida num movimento simultâneo.

Quero reiterar que estávamos num café simples, no meio do Piemonte, longe dos restaurantes badalados de Milão e Roma. Estávamos em nosso primeiro dia de viagem, numa região que se parece pouquíssimo com as partes mais conhecidas do país. Mas foi ali, naquele canto distante e industrial dessa península desvairada, que entendi como se pode ter vontade de chorar ao provar um prato. Foi naquele instante fortuito, uma meio-dia de chuva súbita, que a Itália venceu o desafio gastronômico imposto pela minha namorada - aliás, uma mulher exigente como poucas.

Não sei explicar o que havia naquele penne. Al dente, a massa estava no ponto mais perfeito possível do cozimento, e até então eu não me dera conta de como pode haver um ponto perfeito para o cozimento da massa. O molho não se parecia com nada que eu tivesse provado. Já sabia que os tomates italianos não têm igual, mas aquele pomodoro e basilico tinha algum ingrediente secreto. Estou certo disso. Quanto ao nhoque, sei apenas que não posso acreditar que a matéria-prima fossem meras batatas. E, não posso esquecê-los, é impossível qualificar os aspargos sem empregar o maior dos lugares-comuns: divinos.

Nesse dia, não cheguei a chorar. Isso só viria a acontecer quase uma semana mais tarde, mas em situação parecida: era um restaurante de beira de estrada, desses que qualquer via esburacada brasileira possui aos montes. Mas não com aquela comida. Fato é que entendi perfeitamente o olhar de meu amigo quando ousei duvidar de seu pranto gastronômico. Em Roma, acabei não indo ao restaurante que ele indicou, mas não foi necessário. Para além do que experimentei em Turim e no meio da estrada, haveria o risco de um enfarte.

Graças a um período em que exerci a feliz função de crítico gastronômico (o período, em si, foi curto e não tão feliz), tive a oportunidade de conhecer as iguarias de alguns dos melhores restaurantes paulistanos. Nunca me passou a idéia de chorar. O que ficará para sempre guardado na minha memória será um humilde café piemontês.

Quanto ao relato do almoço à beira da estrada, esse merece um texto só para si. Foi um dia em que achei que tinha morrido e fazia minha primeira refeição no paraíso.

3.7.07

Arrancando os cabelos

Ainda não será neste texto que começarei meu relato e minhas considerações sobre a Itália, terra bela e esculhambada como o Brasil, hostil e presunçosa como a França. Acontece que já estou de volta ao cubículo que chamo de lar desde a noite de quinta-feira, apenas para descobrir que não havia internet. O aparelho, que dizem chamar-se "roteador", pifou. Segundo os técnicos, foi por causa dos temporais. Mentira: a chave geral do apartamento esteve desligada durante a semana inteira.

Ainda assim, espero há quase uma semana pela suprema alegria de me comunicar com o mundo, avisar à família que não estou morto, retomar os contatos que se perderam em junho, entupir os blogs de textos novos. Prometeram para hoje, terça-feira, a substituição do tal "roteador". Confirmada a visita, tenho que admitir, não vou poder reclamar. Gostaria muito, é claro; pensei em frases excelentes para ironizar a fornecedora do serviço. Mas a verdade é que, em qualquer lugar do mundo, ou pelo menos do mundo latino, pedir um conserto ou exigir um serviço é uma via crúcis. Se algo assim me acontecesse no Brasil, ou pior, na Itália, eu teria de abrir mão de semanas inteiras da minha vida.

Mas a França é diferente. Em que pese uma certa incompetência inerente à alma burocrática deste povo que me cerca, é sempre possível fazer as coisas funcionarem. Qualquer coisa. Basta, para isso, descobrir o método. Ah, eis uma palavra pela qual eles são fascinados. Método! Mas, atenção: não se trata, neste caso, dos métodos ditos "formais". Como se dirigir a um funcionário, como escrever um artigo, como preencher um requerimento, é bem verdade que tudo isso está intricadamente codificado na França. Mas a paixão pelo método invadiu algumas outras áreas. Que digo? O método, na França, está impregnado em todas as áreas. Basta citar.

Já que é assim, para superar uma etapa burocrática ou constranger uma empresa a consertar um serviço porco que tenham feito, basta conhecer o método. Todas as portas se abrirão. E, já adianto, o método é o seguinte: arrancar os cabelos. Funciona mais ou menos da seguinte maneira:

Primeiro, telefone para a empresa e, com toda a calma do mundo, exponha seu problema. Eles prometerão resolver o problema, invariavelmente, na mais segura das vozes, ainda no mesmo dia. Agradeça. Desligue. Agüente algumas horas, telefone novamente, explique docemente que tudo segue no mesmo pé. Mais uma vez, eles darão garantias de que tudo estará solucionado dentro de algumas horas. Agradeça mais uma vez, repouse o fone no gancho.

Saia de casa, dê uma volta. Se estiver chovendo, e provavelmente estará, tome o caminho de algum museu, vá ao cinema, ao teatro, a um bom restaurante. Aja como se tudo estivesse bem. Finja que não está sendo infernizado por uma grande companhia, dessas listadas em Bolsa, com dezenas de milhares de empregados, para a qual você não passa de uma entrada no banco de dados.

Findo seu passeio, seu ameno passeio, volte para casa. Tome um gole de qualquer coisa, ajeite um pouco a sala, disque novamente. Quando atenderem, aplique a fórmula. Arranque os cabelos. Mostre desespero, forneça um espetáculo emocionante. Cursos de teatro ajudam nessas horas, mas não são necessários. O importante é passar a impressão de ter chegado ao limite. E seu problema será resolvido com presteza exemplar. Eis o método.

Você pode estar a ponto de perguntar: por que, então, não queimar etapas e ir direto ao desespero? Arrancando os cabelos desde a primeira ligação, a solução não se atingiria de imediato? Engano seu, amigo. As empresas registram cada ligação dos clientes. Alguém que se descabele logo ao primeiro contratempo será logo classificado como "desequilibrado". Em bom português, alguém digno de ser torturado em público, para distração do enfastiado mundo empresarial. Além disso, ao não seguir o método religiosamente, você abre mão de seu maior trunfo. A vitória escapa de suas mãos, ela que esteve tão próxima.

Desenvolvo minha teoria metodológica enquanto espero a vinda dos técnicos. Em outras palavras, nada garante que as novas clareiras que abri no escalpo tenham, efetivamente, servido para alguma coisa. O método está sendo posto à prova no momento mesmo em que o cursor vai caminhando em resposta a minha digitação. Vence em pouco menos de uma hora o prazo que a empresa deu a si mesma. Se este texto não for datado de terça-feira, dia três de julho de 2007, serei forçado a arrancar também o fígado para ter minha internet.

PS: Ufa, meu fígado está a salvo. A internet está funcionando.

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